Quantas tantas vezes me deparei com uma página em branco, diáfana, pura e, como uma gueixa, pedindo em silêncio para ser tocada. Ou, por outra, intimidatória, desafiadora. Mesmo no editor de textos de um computador temos uma tela-página em branco.
Esta cena, aposto, foi e segue sendo familiar a muitos e muitos escritores.
Mas sou reverente. Na imensa maioria das vezes ela, a página, funcionou ora como espelho, ora como bola de cristal, até como mantra branco e surdo para atrair os deuses da imaginação e as musas da inspiração.
Portanto quis fazer essa pequena ode à página que nos recebe, poeta, caneta, ideias, palavras, versos, poemas, contos, crônicas, romance, até mesmo singelas cartas de amor e pacientemente se deixa possuir e emprenhar de signos, metáforas, emoções, imagens e gestá-los até seu nascimento.
Um breve “making of”: escolhi fazer o soneto apenas com palavras proparoxítonas (esta também uma proparoxítona), que eu acho fortes e sonoras e nos casos de verbos acompanhados de ênclises com pronomes (cravo-te, incitas-me, etc), me permiti usá-las, embora não sejam verdadeiramente proparoxítonas, mas porque considerei a sonoridade “proparoxítona” das mesmas.
Útero
Cúmplice, vívida página
Tácita, íntima, prática
Vítima, cínica tática
Pálida, anímica, mágica
Trêmula, tímida, próxima
Ínfima lâmina, dádiva
Física, lírica fábrica
Quântica, rústica, sólida
Lúcida lâmpada anárquica
Sôfrego, cravo-te símbolos
Risco-te, tornas-te gráfica
Rútila pétala, vínculo
Cálida, incitas-me ávida
Página, faço-te grávida
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