Importante

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sexta-feira, 29 de junho de 2012


A solidão é um dos grandes fantasmas que assolam o homem nesse mundo tão populoso.


O ser humano, embora essencialmente gregário, tem também sua faceta solitária, que é quando surge a oportunidade de estar apenas consigo mesmo e ter espaço pra pensar, se concentrar, até relaxar e criar. Momento inclusive de não precisar exercitar as regras constantes da convivência e suas implicações de ceder, ser paciente, escutar, se impor limites. Tudo importante, mas até disso precisamos de umas tréguas, até pra nos recarregarmos. Essa é a solidão boa e voluntária. Uma escolha.


Mas a solidão que as circunstâncias impõem é a que fantasmagoricamente arrasta correntes na mente e é temida por muitos e chega a ser estigma: solitários são vistos como gente estranha, como incapazes de manter uma quantidade razoável de laços sociais e afetivos e até mesmo como sem talento e sex-appeal pra cativar e seduzir parceiros amorosos. Preconceito especialmente endereçado ao sexo feminino. Mulheres solteiras e/ ou recém-separadas e que moram sozinhas, muitas delas podem até estar bem assim e felizes, mas são vistas como um perigo em potencial pras suas amigas casadas.


Então a solidão pode ser um estado, uma circunstância, ou um sentimento. Ou ambos simultaneamente, como no caso da solidão do isolamento, o vazio externo coadjuvante do interno. E, de outra forma, a solidão só interna, onde há a coabitação, a presença muitas vezes ausente do outro. O “sozinho na multidão”.


Seja qual for, a solidão não voluntária, ou é prisão palpável, de paredes, portas, silêncios, imobilidade, ou prisão da mente e ambas acarretam angústia, tristeza, desesperança e quebrar esse círculo vicioso faz necessário um abrir de janelas pra entrada de luz e ar. Janelas da casa e da alma. De dentro pra fora.


sexta-feira, 22 de junho de 2012

Ecologistas da alma


De tudo que vi e li na Rio + 20, apesar da multidão se acotovelando e inviabilizando uma fruição mais adequada de tudo, não foram as evidências do efeito estufa, da degradação do ar e das águas, nem mesmo das propostas de desenvolvimento sustentável que me impactaram mais. O que mais me tocou foi a poesia de Manuel Bandeira, de João Cabral, de Drummond, de Augusto dos Anjos, que quem concebeu a mostra, sabiamente imprimiu nas paredes logo na entrada das salas. Poemas que ressaltam que a ecologia humana é a mais relevante e geradora de toda a consciência da ecologia do ambiente.


Em meio a tantos recursos técnicos de ponta, feixes de laser, projeções em 3 D, tudo bonito, criativo e high tech, lá estava a boa e velha palavra escrita conquistando espaço em corações e mentes, traduzindo a seu modo tão singular, pela visão poética, a fome, a miséria, a exploração do homem pelo homem, as desigualdades sociais que levam à degradação, mais do que do ar e da água, a da dignidade humana.


O bicho


Vi ontem um bicho
na imundície do pátio
catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
não examinava nem cheirava:
engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
não era um gato,
não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
                                Manuel Bandeira


O poeta e a Poesia repercutem a consciência coletiva. São veículos potentes para induzir o desejo da mudança, porque tocam a alma e assim, comovem, mobilizam. A poesia grita sua indignação de maneira única. 
O aperto no peito que senti com a leitura desse poema do Bandeira, não foi só meu, mas de muitos, lá. Estou certo disso.
Enquanto saía da Rio + 20, pensei: mais uma vez prevaleceu a poesia e o poder que dela emana.


Quando do massacre em Eldorado dos Carajás:


Eldorado

Ditos os clichês os mais surrados
Feitos os discursos mais banais
Pérolas do óbvio aos bocados
Nau que vai a pique em pleno cais

Quando a fome aperta e o teto falta
que fagulha acende a esperança?
Ratos são tangidos pela flauta
Homens, pelo mel da fala mansa

Nesse jogo as cartas são marcadas
Onde o risco sempre é quase tudo
e a recompensa, quase nada

Bala adoça a boca ou fura o peito
Líderes falando e o povo mudo
Fila indiana em beco estreito







quarta-feira, 20 de junho de 2012

Urge

Hoje começa o inverno. Dia de deixar a poesia falar por si. Só.




Urge


Rápido, antes que o dia envelheça
Já, que a manhã pode ser que caduque
Vamos, que a tarde é repleta de truques
Vem, não esperes que a noite amanheça

Corre, que o tempo negou-se a parar
Crava teus dentes na única chance
Bate o martelo ao teu último lance
Solta esse grito parado no ar

Ri, mas que não seja um riso de hiena
Deixa a tua marca e nos diz ao que veio
Mata o leão ou te entrega na arena

Cava, que o ouro não mostra seus veios
Tão visceral quanto mais valha a pena
Vida que urge perder os seus freios


segunda-feira, 18 de junho de 2012

Particular universal


A indução é o procedimento que leva do particular ao universal: com esta definição de Aristóteles concordaram todos os filósofos. O próprio Aristóteles vê na indução um dos dois caminhos pelos quais conseguimos formar nossas crenças; a outra é a dedução (silogismo).


Venho me convencendo e comentando com amigos poetas, de que quanto mais particulares somos como artistas, mais universais nos tornamos. Vi O exótico hotel Marigold, filme inglês com um elenco só de feras, encabeçado por Judi Dench e Tom Wilkinson, que narra a história de um grupo de ingleses idosos que decide ir morar na Índia e em meio àqueles previsíveis choques culturais, acabam encontrando a si mesmos.


Para ser universal, para falar de ideias e sentimentos com o traço comum ao humano, não é preciso necessariamente ser generalista ou mesmo metafísico. Não se trata de dar receitas, pelo contrário, desconstruí-las. As idiossincrasias próprias de cada cultura, cada local, cada individualidade, resultam mais empáticas e penetrantes do que possa pressupor nossa vã ideia preconcebida.


Como alegórica moeda que é, a globalização tem seu lado perverso, que é o do monopólio cultural imposto pelo mais forte, mas seu lado luminoso é o da instintiva comunhão entre os seres humanos com suas características socioculturais preservadas, mas com a universalidade permeando isso tudo.


Um único exemplo basta para ilustrar: a música. Não importa o ritmo, os timbres e no caso de canções, nem mesmo a língua; ela toca a todos como talvez nenhuma outra forma de expressão humana. 


A poesia também funciona assim. Há poucos dias disse o poema abaixo, feito em tom confessional e ele provocou certa comoção em quem depois se disse profundamente identificado com o texto. Num âmbito mais amplo, além-fronteiras isso se preserva com boas versões e traduções.


De mudança

Vou mudar pra minha vida
Tô de mudança pra lá
A rota, meio esquecida
sumiu dentro do sofá
Teve entrada sem saída
Teve espinhela caída
Teve instinto suicida
Teve fuga e investida
Umas paixões desabridas
feito álcool na ferida
Jejuns em pleno maná
Isadora, Virna, Frida
Côte D’Azur e Irajá
Maraca, Lapa, Avenida
e Visconde de Mauá

Desde o ponto de partida
no rumo de Shangri-lá
me perdi da minha vida
zanzando daqui pra lá 

Vou mudar pra minha vida
mesmo perdendo o crachá
Vida quase acontecida
Era nunca, agora é já
Comprei passagem de ida
A volta é o mundo que dá
E em voltando pra jazida
cavar com as mãos, mas com pá

Vou voltar pra minha vida
antes que a vida me vá
que ela é muito decidida
feito um doido da Al Fatah
A alma desespremida
num corpo que inda vá lá
naquela rua florida
pegado à casa de chá
exposta e quase escondida

Pra chegar, tô de saída
e basta de blablabla
Om, namastê, saravá!


   Assistam o vídeo baseado no meu livro: http://www.youtube.com/watch?v=RwY7bTSfqpc    

domingo, 10 de junho de 2012

Tem beleza na tristeza


foto de Sebastião Salgado                                                      
                                                                                                                                                                                                  Tem beleza na tristeza? Não a pergunta, mas a afirmação, quando em vez, se interpõe no nosso caminho. Cabe aqui distinguir e entender: violência, injustiça, usurpação produzem tristeza e nisso não há beleza   alguma. A ideia de uma certa beleza emanar da tristeza na verdade diz muito mais respeito à melancolia, esse sentimento peculiar que herdamos dos portugueses. Beleza na tristeza advém do que se produz artisticamente inspirado e motivado pelas melancolias nossas de cada dia e poesia.


Isso me faz lembrar do Sebastião Salgado, nosso grande fotógrafo, cujo nome e trabalho geram controvérsias. Não pouca gente acha que Salgado glamuriza a pobreza nas suas fotografias em preto e branco e que haveria uma intenção nele de com isso extrair beleza da tristeza. Não compartilho dessa leitura. Penso que ele é um cronista sem palavras dos efeitos das mazelas sociais e seu talento acaba “estetizando” a miséria e a tristeza que dela transborda.


Mas o que se depreende de uma obra de arte não é monopólio de quem a cria e o entendimento e os sentimentos que ela produz pertencem a quem a frui e não mais ao seu criador. A cada um é facultado o arbítrio de ver beleza onde e no que se queira ver, seja numa foto do pôr-do-sol, num texto erótico recheado de palavras chulas, numa tragédia grega ou num dramalhão mexicano. 


E quem sabe, verão alguma beleza nesse soneto triste...




Pétalas de pedra


Depois de tanto riso e derramadas juras
Na última é febril borrasca de verão
Um vento traz enfim o outono e a solidão
E sopra penetrante a lança da amargura

Veneno que corrói sem dó nem piedade
Um cálice, não mais, é o justo fel que basta
E o campo mais florido o vento então devasta
Degreda o coração pr’uma prisão sem grades

O inverno cobrirá por ordem do deus Crono
de gelo glacial as flores do abandono
que crescem no jardim sem dono do meu peito

E fósseis que serão, em milenar futuro
as pétalas de pedra, num buquê tão duro
talvez ainda lembrem um amor-perfeito


   Assistam o vídeo baseado no meu livro: http://www.youtube.com/watch?v=RwY7bTSfqpc    


segunda-feira, 4 de junho de 2012

Lar



Contas

É bom de ver
o amor crescer
e aos poucos ir tomando forma
E se preciso for
subverter a norma
que tolha o seu vigor
Uma bolha explode em flor

E ainda que fira o espinho
o carinho do perfume
prevalece até o cume
suavizando o caminho
na apaixonante escalada
rumo à Terra Abençoada
onde o sol não vai se pôr

O amor só quer amar
Lançar suas velas ao mar
Percorrer os oceanos
Não importa quantos anos
a viagem vá durar

Se é mais sólido que o ar
será sempre verdadeiro
Elo vital de algo inteiro
como as contas de um colar
as contas de um colar
contas de um colar
de um colar
um colar
colar
lar