Importante

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segunda-feira, 30 de abril de 2012

Chiaroscuro


Luz e sombra são antagônicas, mas somos paradoxais e feitos de ambas.
Uma canção, um filme, um poema, sombrios, que revelem desencanto, tristeza, revolta, perplexidades, cabem no espaço da nossa reflexão. São mesmo, eu diria, desdobramentos indiretos dos nossos idealismos. Como exaltar a luz sem conhecer as escuridões da alma humana?

Não sou dos que pensam a poesia como simples escapismo alienante. Sinto-me à vontade para dizer isso, porque “me canso” de cantar as belezas em versos, é a porção maior da minha produção. Mas não me furto à expressão das minhas angústias, estupefações, conflitos.

Explode o homem-bomba
É dos homens? Do seu Deus?
Do deus-si que zomba?

A arte não seria a mesma sem um Guernica de Picasso, libelo contra a Guerra Civil espanhola, Sem um Flores do Mal, de Baudelaire ou um Eu profundo e outros eus, de Augusto dos Anjos e até um Blade Runner, de Ridley Scott, que retrata um futuro sombrio e paranoico. O androide, morrendo, narra as maravilhas do Homem e conclui: "como lágrimas na chuva."

Até porque, alguém já disse que tem beleza na tristeza. Isso está impregnado em nós e não há como nem porque esconder, omitir isso dos outros e de nós mesmos.


Degredo (Finis Terra)

Longos corredores com pesadas portas
Frios, poeirentos, mal iluminados
Sonhos demolidos num rolar de dados
Vastos aposentos de princesas mortas

Tochas, cadafalsos, grades e grilhões
Voz que reverbera em todo o ermitério
Muitas pistas falsas velam o mistério
Risco de iminente embate com dragões

Portas arrombadas que vão dar em muros
Ponte levadiça, fosso de miasmas
Lua que revela o seu semblante escuro

Torres gigantescas, feudos de fantasmas
Vidro que se rende ao diamante duro
Frasco que se parte e entorna todo o plasma


                           




sábado, 28 de abril de 2012

Pausa que refresca






      
Sábado de outono











       
        

         Momento pra um refresco





            


     Sentir a brisa












                   
                                                        Gostar-se











                                                    



quinta-feira, 26 de abril de 2012

Mergulhador


Penso que todo poeta acaba sendo indagado de onde vem a sua inspiração, como brotam histórias, imagens e versos. Cada um deve ter sua explicação e eu não fujo à regra.

Descontada uma parcela do imponderável e inexplicável, acredito que poetar é como sonhar acordado, porque nos sonhos emergem imagens e situações impregnadas no inconsciente e escrever poesia não é tão diferente disso. A escrita é mediadora entre o inconsciente e o consciente e ao mesmo tempo o produto disso, pelo menos até que o leitor tome contato com o texto, quando então a escrita volta a ser mediadora, dessa vez entre as ideias, a visão e a expressão do autor e o seu leitor.

Desse processo de criação é parte importante a memória. Dela vêm as palavras que darão forma e compreensão do que o autor imagina e narra. Um certo senso de ritmo é bem-vindo e em alguns poetas isso é instintivo e se bem empregado enriquece o texto com esse elemento, digamos, subjacente às palavras. Considero também fundamental nesse processo criador, utilizar as devidas e adequadas doses de razão e emoção em cada poema, ter a percepção do quanto e como jogar com essas duas forças.

Mas o inexplicável frequenta o processo e por vezes traz até a sensação de que poetar é só um desvelar, um desvendamento do que já existia, latente, em algum lugar, apenas esperando ser resgatado, trazido à tona, como se o poeta fosse apenas um mergulhador, pescador de pérolas.


Ondes e pra quês


Os poemas que ainda não pari
já existem em algum lugar
Escrevê-los é só um resgatar
e eles chegam velozes aqui

Pode ser o interior do Sol
ou talvez um fundo de barril
Ou quem sabe até nunca existiu
qual sereia que não vem no anzol

Meus papéis: o de escrever e ser
são voláteis como é o prazer
pros caprichos de algum deus sagaz

A quem servem nunca saberei
Aos escribas, ao Bobo do rei?
À Esfinge, à Pomba da Paz?





terça-feira, 24 de abril de 2012

Mesa posta

O amor nos acomete quando menos se espera. Bote de fera à espreita saltando de fenda estreita.
Que ele então nos acometa! Qual um anti cometa. E nos trespasse devagar.
Que nos tire o ar, mas nos deixe no lugar a luz do amar, eterna chama acesa.
Mesa sempre posta por quem a gente mais gosta, regada a vinho.
E carinho na sobremesa




Bom bocado

O amor, meu amor
salvo enganos
não é debaixo dos panos
É rolar na brasa
É burlar a Nasa
e roubar um foguete
pra sair de órbita
e se sentir em casa
Saibro ou palacete
É ser combustão
do inferno do verão
em pleno inverno
Não deixar por menos
Nunca ser amenos
Sempre um transbordar
Pintar e bordar
os sete pecados
em vezes mil bocados
de sutis sabores
Desatar tecidos e rigores
dos pudores e do frio
no cio do termal ascendente
Ar quente de empurrar balão
Paixão de deixar dormente
De achar o chão macio
e a carne pura
Na mais sã loucura
o espírito, enfim, pleno e vazio



















domingo, 22 de abril de 2012

Eterna paixão

Sou carioca, nascido em Botafogo. Sou apaixonado pela minha cidade feminina , curvilínea e sedutora. E ela não sucumbe aos maus tratos, não se submete e a cada manhã emerge gloriosa, para o renovado encantamento dos que a amam.

Clarice Lispector disse que Brasília é cidade que não tem esquinas. Assustador. Mas desse susto os cariocas e visitantes não morrem. Vivemos num lugar pródigo delas. O Rio é uma cidade que convida à exploração a pé, com a lentidão dos amantes sem pressa que valorizam a fruição tântrica. Com serena intensidade.

Quando caminho, ou mesmo corro, seja à beira-mar, na Floresta da Tijuca ( a maior floresta urbana do mundo), ou em torno da Lagoa Rodrigo de Freitas, não consigo evitar um permanente embevecimento com o que meus olhos contemplam. É como se eu fosse sempre um turista recém-chegado sob o impacto de tanta beleza.

O Rio é uma rara e feliz combinação de mar e montanha abraçando e até invadindo uma urbe moderna e antiga em graciosa convivência. Um dia um beija-flor nos visitou, entrou em casa. Até os beija-flores cariocas são assim.

Ode



Fonte luzidia
Dupla vanidade
Luz, mitologia
Truques da cidade

Vista assim do alto
Urbe de poema
Leitos de basalto
Vaga-lumes, gemas

Desço e aterrizo
num caleidoscópio
Caos no paraíso

Náiade travessa
Sabes ser meu ópio

antes que amanheça



segunda-feira, 16 de abril de 2012

Verso e anverso


Modo


Quando cismo
abro um abismo
para o mergulho
ou para o salto

Num instante
a tal vazante
vira mar alto
Fúria e voragem

Em seguida
a mais contida
tristeza é riso
que randomizo

No entanto
lá vem o espanto
se o pranto cessa
na vã promessa

Gira o mundo
e o lá do fundo
desce pra fora
Sai de onde mora

Nasce o dia
e a agonia
ficou dormindo
Que céu mais lindo!

Noite insone
Toca um trombone
na minha mente
Que noite quente!

Grande vício
do reinício
Do yin no yang
Um bumerangue


Tão pequenos
Deuses ao menos
no singular
modo de amar

A vida não seria como é se não passasse, com certa frequência, pelos portões no Imponderável. Tentamos prever, precaver, planejar, calcular, controlar, preparar, mas aí surge o imponderável e bagunça tudo, tsunâmico, vulcânico e nos obriga a refazer planos, reerguer totens, repor peças, repensar metas, alterar prazos.

Como o bambu que verga sob a ventania, somos maleáveis e nos adaptamos e isso é atávico. Podemos ser flores de lótus vicejando na lama. Mudamos de roupa, de atitude, nossa pele se renova de forma permanente. Dormências na alma atenuam provisoriamente uns sofreres, sustos despertam de longas letargias.

Túneis têm fim e invariavelmente uma saída e luz. Poços não são sem fundo e embora a subida seja mais lenta que a descida, ainda assim, pelo menos, a distância foi, é e será a mesma. Surpresas podem ter presas, mas tem as que só nos sorriem e afagam.

Poetas não falam só das caras das moedas. Mostram também as coroas, mesmo que umas não pareçam reais. Versos e anversos...


                                                                                   

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Tempos

O post anterior, poesia atemporal, me remeteu, mais uma vez, ao tempo, tema recorrente em meus poemas. A propósito, vi uma declaração do Dalai Lama, que transcrevo:

Perguntaram ao Dalai Lama o que mais o surpreende na Humanidade. Ele respondeu: "Os homens, porque perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem dinheiro para recuperar a saúde e por pensarem ansiosamente no futuro, esquecem do presente de tal forma que acabam por não viver nem o presente nem o futuro e vivem como se nunca fossem morrer...e morrem como se nunca tivessem vivido."

Mesmo bem antes de tomar contato com o pensamento budista e taoista, eu já nutria simpatia pelo presente, a ponto de considerar passado e futuro armadilhas escapistas. Passado que não existe mais, é só lembrança e referência e futuro que não existe ainda e o presente como recheio real desse sanduíche e que se move nesse louco continuum.

E nossa subjetividade, nossas emoções, exilam o tempo cronológico e abrem espaço para o tempo paradigmático, que faz o tempo até parar, e nosso corpo é nesse momento máquina do tempo a nos levar a essa paradoxal viagem sem sair do lugar.



Trunfo


O tempo, essa cobra
manobra insidioso
no prazer e gozo
de não se deixar ver
E espreita por estreitas fendas
agendas, armários
calendários, nichos
Bicho perverso
Não se faz reverso
nem por um momento
E a vida é esguicho
Quando se vê
Cadê você
com seu unguento
que mitiga
a briga com o espelho
e a dor no joelho?


O tempo
Mestre do engodo
te acompanha o tempo todo
com falsas barganhas
Cactos se fingindo de pactos
E entre silêncios que afogam gritos
e veludos que são granitos
No breve intervalo
entre parto e morte
somos seus vassalos
felizes com a sorte
de ter uns regalos
que tornem amenos
invernos e infernos
E um triunfo ao menos
sobre nosso algoz
que é quando nós
não importa
se ilusão ou não
deixamos que a paixão
nos estufe a aorta
Qualquer quando e lugar
que faça o tempo parar





terça-feira, 10 de abril de 2012

Poesia atemporal



Voltando um pouco à questão da forma e mais especificamente à das regras e da tradição x contemporaneidade. Como já disse em outro post, aprecio e cultuo as formas poéticas tradicionais, os sonetos, as trovas, redondilhas, decassílabos, acrósticos, simbolismo, parnasianismo, concretismo, enfim. Mas também abro alas para o novo, cyberpoemas, ousadias temáticas e formais, porque, assim como a língua é viva, não estática, com a poesia não poderia ser diferente.

Penso que existe espaço também para o hibridismo, misturar o novo com o tradicional, de modo que toda forma seja contemplada.
Um notório exemplo: o grande, admirado Pablo Neruda tem um livro chamado Cem sonetos de amor, em que não existe nenhuma rima. Fora esse “detalhe”, todos os cem sonetos seguem as regras clássicas de métrica e disposição das estrofes. São belos sonetos.

Escrevi apenas um soneto sem rimas, hoje, um decassílabo. Foi um bom exercício de descondicionamento, assim como meu primeiro haikai foi um um primeiro contato com a extrema concisão.








Ungidos

Impulsionados da maneira certa
os bumerangues cumprem trajetórias
de ida e volta ao ponto de partida
com vento, chuva ou céu de brigadeiro

Um dia um deles quase esbarra em outro
E logo ambos voam paralelos
Algo em comum além de bumerangues
os atraiu de modo irresistível

É que ao contrário dos da sua espécie
os dois são força a impulsionar a si
o que permite o voo de improviso

E ambos ungidos pelo raro encontro
se amalgamaram em nova e eterna rota
de nunca mais voltar ao mesmo ponto



domingo, 8 de abril de 2012

Solares



Deve ser, ou parecer, sei lá, de um certo paganismo aqui e ali cultuar a Natureza e ver divindade nela. Perdi a conta do que já escrevi sobre o Sol e as demais estrelas, a Lua, física ou simbólica, o mar e seus navios, faróis, sereias, pérolas e horizontes, as montanhas, os pássaros e por que não o homem, ator em todo esse cenário?

O fato é que somos um produto da alma navegante lusa com a natureza telúrica dos ameríndios e dos africanos e isso deu num povo solar e dono de um dos mais extensos litorais do planeta. Corpos despidos dourando-se num culto a céu aberto e público ao deus Ra. Nada mais pagão, em tempos oficialmente unânimes do monoteísmo inaugurado há dois milênios pelo judaísmo.

E o que é solar é alegre e sem a culpa que assola mais aos dos países frios. É celebrativo, expansivo, colorido, quente, yang. Matéria farta e boa para a arte em geral e a literatura e a poesia em particular.


Cedo ou tarde                        

Recente
a tarde
já arde
num mar de
lava
incandescente
Um ar de
insolente
que agrava
o doente
A clava
do urgente
fustiga
o indolente
A biga
imponente
tem dentes
nas rodas
e o corte
é rente
no cortejo
rumo do poente
O astro
potente
deixa um rastro
cadente
Negro céu
Denso véu
que o faz turvo
E o deus curvo
faz calor
Faz amor
com a lua
toda nua
e linda
E ainda
crua

                                                     

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Al mare


Diz a lenda que Camões escreveu seu extenso Os Lusíadas, embarcado, ou seja, na ainda maior vastidão do oceano, em meio àquela sucessão de tormentas e calmarias.

Muitos foram os poemas, contos, romances tendo como cenário o mar, alguns até mesmo com o mar como protagonista. Eu mesmo não fugi dessa tradição e escrevi uns tantos textos tendo o mar como inspiração e cenário.

Turner, o pintor, se cansou de retratar o mar em seus quadros, as chamadas marinhas. Muito se fala nos “road movies” americanos, os filmes de estrada, que deram origem a um estilo. Mas até onde eu sei, nunca ninguém cunhou a expressão “sea movies”, filmes de mar, apesar de tantos filmes de piratas e documentários do Jacques Cousteau e da National Geographic sobre o assunto.

O fato é que o mar fascina muitos. Fascínio feito de encantamento e medo. A vida marinha e a profundidade dos mares assusta e excita a imaginação. Sereias, monstros, baleias engolidoras de Jonas e submarinos de vinte mil léguas.

O mar é restaurante. Não me refiro à abundância de seus frutos que nos alimenta e delicia. Falo do quanto um mergulho em suas águas é capaz de nos restaurar. Do quanto nos sentimos renovados assim que voltamos à terra firme.

Mas isso na verdade se deve à água. Em todas as suas formas ela se faz presente e se nos oferece como um presente. A maior parte de nós se constitui dela. E ela chove, ela cai em cascatas que nos maravilham, nos sacia a sede e simbolicamente nos ensina a maleabilidade e capacidade de adaptação, nos córregos que descem as encostas em meandros que contornam obstáculos rumo ao seu idílio com o mar.

Até nosso lar, paradoxalmente chamado Terra, é feito principalmente de água.

Saga II

Meu mundo pequeno
de ínfimos ritos
O vento na fronte
O turvo horizonte
Abafo meus gritos
Me finjo sereno
E o barco meneia
na vaga bravia
Furor de sereia
Aquática orgia

A face encharcada
de água salgada
(seria de pranto?)
não lava o espanto
Netuno que dança
no sal da vingança
A faca no vento
Tormenta ou tormento?

Do caos à deriva
ao cais que se aviva
se estende a agonia
Pedir calmaria
ao deus não aplaca
O vento na faca
o sangue evapora
O sangue da aurora
O céu mais vermelho
O mar é o espelho
do deus que se aparta
Atenas, Esparta
no embate aqui dentro
O espelho no centro
da híbrida arena

Um quase argonauta
A pena que falta?
Dureza do solo
Dionísio e Apolo
disputam-me a alma
tem calmaria
mas foi-se-me a calma

A terra me afaga
mas vive a lembrança
de deuses e danças
na ínfima saga