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quinta-feira, 16 de maio de 2013

Maríntimos (d'aprés Carmen Presotto)


Corre (e navega) em nossas veias miscigenadas, sangue lusitano. E isso emprestou à alma brasileira não só muito do sentimentalismo e melancolia portugueses, mas também seu espírito navegador.

E sendo assim, o mar, bem mais até que na Península Ibérica, por nossas dimensões de continente, é permanente fonte de inspiração, quando não de literalmente lançar quilhas ao mar, pelo menos de frequentar o litoral, nadar, surfar ou simplesmente contemplar o sol em seus poéticos mergulhos marítimos.

O mar é inesgotável metáfora. Como a vida, tem mistérios, perigos, desafios, belezas, aventuras e dramas.

E a Poesia é das principais clientes das metáforas. Nada como o mar como cenário e coprotagonista  dos – a exemplo do sol – mergulhos dos poetas. Desde os Lusíadas de Camões, o mais extenso e denso dos poemas marítimos, e “Navegar é preciso, viver não é preciso” de Fernando Pessoa, litros e mais litros de poesia ao e sobre (e sob) o mar vêm sendo escritos, com suas grandes vagas,  naufrágios, sereias, baleias, cais redentores, batalhas e tesouros submersos.

Minha produção não poderia ter essa lacuna. O poema marítimo que escolhi, embora seja pródigo em metáforas, não é totalmente metafórico, visto que inspirado em uma situação real vivenciada pelo poeta blogueiro que vos fala.


Saga II 
(Tormento e tormenta)

Meu mundo pequeno
de ínfimos ritos
O vento na fronte
O turvo horizonte
Abafo meus gritos
Me finjo sereno
E o barco meneia
na vaga bravia
Furor de sereia
Aquática orgia

A face encharcada
de água salgada
(seria de pranto?)
não lava o espanto
Netuno que dança
no sal da vingança
A faca no vento
Tormenta ou tormento?

Do caos à deriva
ao cais que se aviva
se estende a agonia
Pedir calmaria
ao deus não aplaca
O vento na faca
o sangue evapora
O sangue da aurora
O céu mais vermelho
O mar é o espelho
do deus que se aparta
Atenas, Esparta
no embate aqui dentro
O espelho no centro
da híbrida arena

Um quase argonauta
A pena que falta?
Dureza do solo
Dionísio e Apolo
disputam-me a alma
tem calmaria
mas foi-se-me a calma

A terra me afaga
mas vive a lembrança
de deuses e danças
na ínfima saga




quinta-feira, 2 de maio de 2013

Divagações liquefeitas



Diz a lenda que Camões escreveu seu extenso Os Lusíadas embarcado, ou seja, na ainda maior vastidão do oceano, naquela sucessão de tormentas e calmarias.
Muitos foram os poemas, contos, romances tendo como cenário o mar, alguns até mesmo com o mar como protagonista. Eu mesmo não fugi dessa tradição e escrevi uns tantos textos tendo o mar como inspiração e cenário.


Turner, o pintor, se cansou de retratar o mar em seus quadros, as chamadas marinhas. Muito se fala nos “road movies” americanos, os filmes de estrada, que deram origem a um estilo. Mas até onde eu sei, nunca ninguém cunhou a expressão “sea movies”, filmes de mar, apesar de tantos filmes de piratas e documentários do Jacques Cousteau e da National Geographic sobre o assunto.

O fato é que o mar fascina muitos. Fascínio feito de encantamento e medo. A vida marinha e a profundidade dos mares assusta e excita a imaginação. Sereias, monstros, baleias engolidoras de Jonas e submarinos de vinte mil léguas.

O mar é restaurante. Não me refiro à abundância de seus frutos que nos alimenta e delicia. Falo do quanto um mergulho em suas águas é capaz de nos restaurar. Do quanto nos sentimos renovados assim que voltamos à terra firme.

Mas isso na verdade se deve à água. Em todas as suas formas ela se faz presente e se nos oferece como um presente. A maior parte de nós se constitui dela. E ela chove, ela cai em cascatas que nos maravilham, nos sacia a sede e simbolicamente nos ensina a maleabilidade e capacidade de adaptação, nos córregos que descem as encostas em meandros que contornam obstáculos rumo ao seu idílio com o mar.

Até nosso lar, paradoxalmente chamado Terra, é feito principalmente de água.


                                   Pintura de William Turner

Saga 

Meu mundo pequeno
de ínfimos ritos
O vento na fronte
O turvo horizonte
Abafo meus gritos
Me finjo sereno
E o barco meneia
na vaga bravia
Furor de sereia
Aquática orgia

A face encharcada
de água salgada
(seria de pranto?)
não lava o espanto
Netuno que dança
no sal da vingança
A faca no vento
Tormenta ou tormento?

Do caos à deriva
ao cais que se aviva
se estende a agonia
Pedir calmaria
ao deus não aplaca
O vento na faca
o sangue evapora
O sangue da aurora
O céu mais vermelho
O mar é o espelho
do deus que se aparta
Atenas, Esparta
no embate aqui dentro
O espelho no centro
da híbrida arena

Um quase argonauta
A pena que falta?
Dureza do solo
Dionísio e Apolo
disputam-me a alma
Já tem calmaria
mas foi-se-me a calma

A terra me afaga
mas vive a lembrança
de deuses e danças
                                                                        na ínfima saga