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sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Poetas são alados



Os mitos têm duas vias.  São espelho de uma cultura, da sua cosmovisão e ao mesmo tempo contribuem para estruturar, codificar sua ética, conduta. Mitos tanto são redentores como balizadores do que existe de obscuro na natureza humana.

Dentre os redentores, tem proeminência o herói, seja divino, como Hércules ou humano, como Perseu, arquétipos da eterna busca humana pela perfeição, numa mistura de retidão de caráter com bravura destemida.

A mitologia não é muito pródiga em poetas. Então temos que buscá-los na vida mortal e terrena mesmo. Ovídio, Homero, Safo de Lesbos e Píndaro, entre outros, são nossos heróis em carne e osso, que assumiram o papel de narradores e perpetuadores dos mitos e abriram caminho para a poesia moderna, esta nem sempre envolta em halo heróico.

O liame que existe entre o herói e o poeta é bem expresso no mito de Ícaro. O homem que quis ser pássaro e o poeta se lançam no vazio. Se aventuram, um nos ares e os outros no desconhecido das metáforas, versos e lirismos.

É como se, para Ícaro e para os poetas, o fundamental fosse o caminho e não a meta. A morte de Ícaro, apesar de obviamente trágica e consequência de seu fracasso, foi tão poética quanto sua tentativa.

Com os poetas ocorre algo similar, guardando-se as devidas proporções.  Ao poeta, mais interessa que seu texto seja mapa, inventário de suas emoções e vivências, que lenitivo e panacéia pra suas dores e angústias. O poeta se salva na escrita e não encontrando o pote de ouro no fim do arco-íris. Assim como Ícaro legitima sua empreitada no voo, sua exuberância está nisso, a morte só tem relevância enquanto parábola sobre a imprudência.

Bendita imprudência de Ícaro e dos poetas, que nos toca pela via da reinauguração em nós do sonho,  da nossa necessidade visceral de sermos impulsionados por ele.

Esse paralelo entre Ícaro e os poetas resultou neste soneto:


Saga

Tão destemido, Ícaro decola
no rumo tão incerto quanto audaz
Não é o gesto heróico dos mortais
mas a ancestral vertigem que o assola

Frágil bem sabe a cera de suas asas
Que o inclemente sol vai derretê-la
Contudo alça o seu vôo até as estrelas
como se fosse o Cosmo sua casa

A queda é o previsível fim da saga
Mas a busca ultrapassa a própria meta
e vai além do oceano que o esmaga

No seu retorno o eólico poeta
mergulha em fogo e luz que se propaga
a clarear os céus de toda Creta
            
             


assistam no Youtube o vídeo com animação do meu poema circular "Continuum"

                                          http://www.youtube.com/watch?v=X0jPVdpdk7w

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