Importante

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quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Tempos


Quando nos atrasamos ou temos a sensação de que o tempo corre demais, estamos, na verdade, diante da dicotomia do tempo cronológico versus tempo paradigmático.

Somos vítimas da ditadura e opressão de  Cronos, o deus do tempo, com seus relógios, datas, prazos e atrasos, horas, minutos. Cronos e nossos espelhos que nos negam tônus... 

Mas uma parte dos nossos melhores instintos ainda se rebela: “Esse ano está passando tão rápido!” ou: “Meu amor, essa tortura da distância e da espera faz o tempo se arrastar como uma lesma subindo uma ladeira.” A alma e seus sentimentos percebem assim e até o corpo somatiza: chora, taquicarde, produz anchor pectoris.

A verdade é que o Homem, mesmo o primitivo tetravô do Homo Sapiens nasceu pra ter prazer, no seu significado mais amplo e viver o presente, no seu significado mais exíguo, ou seja, o agora! Um indivíduo só se sente totalmente vivo e inteiro se ele está e se percebe imerso e presente no agora e aqui. Qualquer movimento em direção ao passado, que agora é só lembrança, ou ao futuro, que neste momento não passa de especulação, são só fuga e dispersão da única coisa que é real: o presente. E todos gostamos de ganhá-lo, tanto o subjetivo quanto o objetivo, o que vem embrulhado em papel bonito e fita com laço.
                                                               
Claro que não estou fazendo nenhuma carga contra nossas heranças naturais da cultura e sabedoria ancestral, afinal, somos produto de tudo o que veio antes de nós. Tampouco contra os planejadores do futuro que promovem nossos mais auspiciosos progressos. Mas se trata muito mais do nosso estado de espírito. Passadismo é saudade do já ido e futurismo é matéria de visionários. Nosso agorismo é legítimo e condizente não com o tempo “cronorrelógico”, mas sim com o paradigmático interno que cada um de nós vive e sente.





Por entre os dedos


Estar no presente
é seguir em frente
que o instante agora
nunca se demora
e já é o antes
logo no outro instante

Quando mordo a isca
do astuto Crono
que meu sono embala
um olho arregala
mas o outro pisca
E o momento escorre
flui por entre os dedos
Rosto de odalisca
que não tem mais véu
a mentir segredos
truques de aluguel
que envelhecem cedo

Estar no depois
Carro em frente aos bois
é nenhum lugar
O ar pra morder
Colchão de faquir
Fugir do prazer



quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Parto do parto


Meu filho, Gabriel, nasceu em casa. E era meu aniversário! 
Esse evento, momento memorável pra mim, descrevi inúmeras vezes e em detalhes, pra famíla, amigos, até gente desconhecida em papos casuais de fila de banco.

História que até hoje não me canso de recontar. Prazer sempre renovado de reviver não só na lembrança, mas também verbalizando, emprestando som à forte emoção do acontecimento.

Mas, embora já tivesse cogitado disso, nunca cheguei a “pôr no papel”, verter essa experiência bela e singular em versos. Talvez tenha sido até melhor assim, porque, transcorridos 22 anos, certamente o pai-poeta que vos fala está mais amadurecido de vida e de escrita e, agora,talvez esteja mais, digamos, apto (não, revisor, não é abreviatura indevida de apartamento) a narrar aquela pequena e mágica saga da vinda ao mundo do meu amado rebento.

Mesmo no direito de praticar as chamadas licenças poéticas, asseguro a vocês que imprimi o máximo de realismo à narrativa, ou seja, definitiva e literalmente, tudo que está contido nos versos de fato aconteceu, não são mentiras de pescador (que nem sou) e tampouco exageros delirantes do poeta que sou.


Quem conta um acontecido, revive-o na mente e na emoção. Interessante notar que, ao atualizar o fato  com a feitura do poema, a emoção voltou, intacta e com vigor e, creio, isso passou claramente pros versos. E mesmo o teor quase que documental do poema não lhe roubou o lirismo que o evento, pra  mim tão significativo, pedia.



quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

De prima

Me perguntaram se ainda existe o amor à primeira vista. Titubeei um pouco antes de responder, porque uma parte de mim quis responder que sim, provavelmente instigado pelo meu hemisfério cerebral dionisíaco e a outra parte, mais apolínea, quis que eu dissesse que não existe. Como não sou dos que nessas horas respondem “sim...e não”, respondi que sim. Porque existe a ilusão disso. O que existe é o que de fato existe e não o que é “real”, porque até o real tem diferentes entendimentos, percepções, interpretações, versões.


Sabemos que amor à primeira vista é ilusão porque é encantamento, é agudo, é impactante e por isso mesmo quase sempre tem efeitos passageiros. Mas esse impacto só existe por encontrar em nós o terreno fértil pra isso, então é fenômeno que não se dá “do lado de fora”, não é como vento ou raio ou chama de fogueira, que está fora e nossos olhos refletem, nossos pelos esvoaçam, é encaixe em padrão que carregamos introjetado dos “quem” que nos despertam e disparam reações químicas no cérebro e, em consequência também no nosso corpo. Então os fatos nos mostram a ilusão de longo prazo que isso é. Nosso objeto de desejo pode estar – e está – do lado de fora da gente, mas no fundo nos enamoramos mais da ideia do que do objeto em si, essa ideia do encaixe, de mão e luva, o número certo que nos veste e calça. Somos Narciso se enamorando de seu reflexo no espelho d’água de um lago, sem saber que era ele mesmo a fonte do seu encantamento.

Existe também a chamada forte simpatia e essa costuma ser menos solitária, por ser mais comumente recíproca e não unilateral como o amor á primeira vista. No Rio existe um bloco de carnaval famoso chamado Simpatia é quase amor...

Mas mesmo a simpatia vem com uma relativa carga de subjetiva idealização, não tão intensa e dramática como o amor. E então, o que nomeamos como simpatia, na prática se deixa contaminar por projeções e idealizações nossas. Você pensa que identifica naquele teu "igual" uma espécie de híbrido de espelho teu e completude tua do que você não tem, mas aspira a ter.

Mas é uma ilusão danada de boa de se viver, infinita enquantro dura, macia enquanto não endurece, fruta que se arranca do pé e não a que se espera cair de madura pra saborear.