Importante

Todos os textos do blog, em prosa e verso, a não ser quando creditado o autor, são de minha autoria e para serem usados de alguma forma, necessitam de prévia autorização.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Em comum incomum



Antigamente, e até pouco mais de uma década atrás, por volta de 1997 A.I. (Antes da Internet), o artista era uma ilha. Criava numa reclusão só rompida quando se navegava até a ilha pra tomar ciência da sua produção. Toulouse Lautrec frequentava o bas fond parisiense, Hemingway brigava nos bares, mas não era lá que perpetuavam pinturas e romances. Claro que a produção dos mais ilustres escoava via editoras, galerias, gravadoras, estações de rádio e tv e nos cinemas e teatros, mas não da forma massiva de hoje, que inclusive criou espaços pros desconhecidos.  A hoje dita mídia já existia, mas navegação era só termo náutico, pq a internet ainda não existia, esse mar navegável por todos e pra todos os destinos e calados de embarcações e profissionalismo ou amadorismo dos navegantes.



É indiscutível que o mundo, a vida, passaram a se subdividir em antes e depois da internet, para uma infinidade de coisas e isso inclui a arte e seus modos de pensá-la, produzi-la, divulgá-la. Hoje, o artista, cria quase que em tempo real, já que tem à mão chats, blogs, redes sociais, grupos de discussão, sites temáticos muitas vezes até segmentados dentro de um determinado tema.



Eu mesmo tenho canções minhas no myspace, escrevo este blog e sou membro de uma confraria virtual de poetas que não se restringe à virtualidade e pela internet tenho feito parcerias de interação entre artes com gravuristas, fotógrafos, compositores e mesmo poetas, em textos a 4 mãos e coletivos. O vídeo que divulgo aqui:  http://www.youtube.com/watch?v=RwY7bTSfqpc  com meus haicais e gravuras e animação de Ana Eliza Frazão,  é um exemplo de uma interação e sinergia entre diferentes formas de arte, perfeitamente possível via internet.



O que vejo de mais estimulante e proveitoso nessas interações e intervenções não individuais é que isso resulta em retroalimentação criativa pra cada um. Um simples desafio proposto num grupo de poetas, ou um parceiro novo que se vislumbra, pela afinidade estética que se revela, enriquece a produção de cada um e das parcerias, faz crescer a produção em quantidade e qualidade.



                           Texto de Jorge Ricardo Dias e nanquim e litogravura de Ana Eliza Frazão



                                                  Fotografia de Cláudia Jacobovitz



   

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Meta: morfoses

Recentemente postei minha trilogia de sonetos feitos com palavras monossílabas, que inicialmente não passava da pretensão de ser apenas um. Alguns leitores comentaram que, por eles, eu não pararia na trilogia, mas nunca cogitei de ir além. Mas sabe como é, a gente já sente a coceira da inquietação, um vício. E se aí ainda somos instigados, as Musas da Poesia que nos rondam se alvoroçam.

Consequência: a trilogia virou tetralogia. Mas eu não queria mais do mesmo, não teria muita graça e quis dessa vez não um soneto monossilábico “normal” como o soneto e os dois sonetilhos que compunham a trilogia, mas um com só duas sílabas métricas.

Como em certos casos menos é mais, isso se aplica também aos fazeres e suas artesanias e versos de apenas duas sílabas métricas, nem por isso são mais fáceis. Então nasceu um soneto “monodissílabo”. Esse pronto e o rato rói a mente... : quem faz um com duas sílabas, faz um com uma.  Um soneto, portanto, com os 14 versos que um soneto tem que ter, mas com apenas 14 palavras. E todas monossílabas. Quem sabe não é o menor soneto do mundo?                                                                                                                                          Quem faz uma tetralogia, faz uma pentalogia...



E eis então aqui os novos protagonistas não “oscarizáveis”, dois sonetrips, com visual de sonetripas.



sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Poesia além dos poemas


A gente percebe poesia não só em poemas. Na Natureza, num gesto, num som, numa melodia, mesmo em palavras sem prévia intenção poética, em outras formas de arte também.
Chico Buarque, em um dos seus muitos lampejos diz: 

Passas em exposição
Passas sem ver teu vigia 
catando a poesia
que entornas no chão

O apaixonado vê poesia na musa que talvez ela não tenha intenção nem consciência de emanar.
O cinema, arte complexa, convergência de várias artes, é um veículo frequentado pela poesia. Recentemente mencionei Blade Runner, aludindo a isso. Hoje falo de um outro predileto meu, Asas do desejo, do alemão Wim Wenders, o mesmo de Paris, Texas e Buena Vista Social Club, entre outros e que narra a saga de um anjo que se encanta com uma mortal e abdica da imortalidade para poder consumar carnalmente a sua paixão. Anos depois foi refilmado numa produção americana, com Nicolas Cage e Meg Ryan, como Cidade dos anjos, com maior sucesso de bilheteria e menor envergadura artística.
Asas do desejo é poesia em forma de cinema. Não é o único filme da caudalosa produção mundial que poderia ser descrito assim, mas tem todos os elementos que o fazem assim.
O roteiro, a fotografia em preto e branco, a música envolvente e que pontua o clima, as falas em off do anjo narrador e seus diálogos com um outro anjo sobre a condição humana, os monólogos-pensamentos da trapezista que o anjo tem poder telepático de “ouvir”, enfim, o filme respira uma atmosfera poética que inspira. As imagens, sons, gestos e palavras injetam a poesia que transborda e nos contagia a alma, como num bom poema.


Despertar


O anjo se sente sozinho
Nem o vinho lhe traz paz
Imortal, vive demais
Condenado a não ter fim

Uma estrela nasce agora
Outras, prestes a apagar
Eras feito meras horas
Amplidão é um só lugar

Sem volúpias, sem urgências
Poder tudo e nada ser 
Seus prodígios e ciências
trazendo um quase prazer

Quisera ser bem mortal
No sangue sentir sabor
Chorar e rir por amor
Viver o essencial 

Querer, sem poder, morrer
Sua sina não querida
Sonho vão de eterna vida
com a vida que iria ter

Foi súbito o despertar
Mortal se viu de repente
Com gosto e cheiro de gente
Sonhou ou está a sonhar?


Assistam o vídeo baseado no meu livro: http://www.youtube.com/watch?v=RwY7bTSfqpc    

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Belezas e belezas



Gosto de retomar, recorrer a certos temas. Caetano Veloso um dia disse – e concordei – que poesia a gente não lê, ou não deveria ler como quem lê bula ou relatório (essas palavras aí já são minhas mesmo, mas a ideia é semelhante) e sim com vagar, fruindo, sem pressa e sobretudo relendo e relendo.

Linguagem supressora que é (não me canso de reiterar isso), a poesia é economia de meios, é desfiar de metáforas, é construção de viés que a prosa quase nunca proporciona, ou seja, é ver a vida, o mundo, os sentimentos, sensações e percepções por ângulos inesperados.

Mas o que dentro desse contexto me ocorre pra compartilhar é o “belo” na poesia. Pra muitos, beleza e poesia são praticamente sinônimos. Talvez isso seja uma meia verdade. Seguimos milenarmente a tradição dos ideais gregos de beleza e isso não se restringe ao belo anatômico humano. Então nossa herança estética é essa e isso nos leva às (muitas) vezes ao estranhamento do “não belo” na poesia.

Um crítico de arte inglês, analisando a obra de Picasso, disse algo expressivo: “Picasso desconcerta e nos faz colidir com a preguiça da nossa rotina.”

Não posso me renegar como poeta que busca o belo, mas isso não faz de mim um artista que conserva o leitor sempre no seu mesmo lugar. Penso que a arte quando é tocante, mobiliza, impacta. E impactos tiram do lugar, são perturbadores e assim,  fazem pensar e questionar.

Alguns poetas me vêm à mente: Maiakowski, Federico Garcia Lorca, Augusto dos Anjos, Rimbaud. Na sua essência, a poesia deles mergulhou e descreveu agruras, angústias, desespero, violência, injustiça, vazio, toda gama de paixões humanas que deu uma dimensão não só universal, como também um testamento do lado menos luminoso e sublime da nossa condição humana.

E eles atingiram o belo, não esse que vem pela leveza, luz, cores, contemplação, prazer, mas pela intensidade, veemência. O aforismo “tem beleza na tristeza” se aplica a isso. Mas não só na tristeza. Tem beleza no que não aparenta na superfície. Tem beleza na simplicidade mas também em certas complexidades.

A beleza do ideal grego nos encanta mas tem muita beleza subjacente na escrita bem construída que mexe com a gente. O belo não é só o que nos confirma. Ampliemos o conceito do belo.  Arrisco afirmar que se é tocante, mobilizador, é belo.


Mesmo que não tenha arco-íris, pôr-do-sol, sorriso, paz e sentimentos nobres.
                                                          

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Razão emocionada, emoção racional




De quando em vez, conversando, me sinto impelido a falar sobre meu processo de escrita, o que busco, do que fujo ao escrever e criar.

E a clássica moeda com suas duas faces opostas é metáfora e tema onipresente: razão X emoção. Os artistas em geral e em particular os poetas lidam com que matéria-prima e com que frequência e em que proporções?

Gosto pessoal varia. Há quem valorize a arte resultante da pura e exclusiva emoção. Há quem, em oposição, prefira a razão como norteadora nesse processo. Eu, particularmente não entendo essas duas forças como excludentes e nem aritmética de percentuais de cada que devem, podem ou não podem ser agregados.

Então meu processo de construção de textos é basicamente assim: o fio condutor da narrativa e da minha criação é muito racional e isso pode ser notado na lapidação de sonoridades, no encaminhamento de pulsações, no lidar com a palavra não só a considerando em seu aspecto semântico, mas também  enquanto significante sonoro. 

Mas tenho sempre em perspectiva que este processo não precisa  fechar as portas para impedir que a emoção penetre e diria que este é um dos pilares que sustentam meu prazer da escrita, imprimir a meus textos o zelo e o gosto pela forma, pelo som, pelos jogos de palavras, simultaneamente ao escoar dos sentimentos de modo a que eles permeiem e se interpenetrem na forma, ideia e emoção, pensamento e sentimento fundidos na medida do possível.

Nem é uma convivência entre "opostos". É como se ambos fossem uma coisa só, uma coisa estando latente dentro da outra.
Expurgar um pra que só fique o outro não costuma resultar na melhor poesia.  Poesia não lapidada, não construída de modo a justificar o dom que a poesia tem de ser linguagem singular que fala como nenhuma outra, se só movida pela emoção é um vaso tosco, poder ter até alguma funcionalidade, mas abre mão de ser singular. Por outro lado, um poema que só exibe técnica, razão e artifícios não toca, não perturba e nem enternece.

Como poeta, busco sempre essa dualidade e essa busca me move e provoca. Quando me dou conta de que um poema que escrevi resultou nessa moeda de duas faces, razão e emoção num idílio, fico contente.

Na arte, na vida, no amor, há que haver os sentires com a razão e os pensares com a emoção. Senão  seremos sempre só fragmentados e nosso partido será sempre o do coração partido.
          
 
                        

sábado, 7 de novembro de 2015

Emulando



Como tudo na vida, escrever também tem seu preço e seus riscos. Escrevi um poema como se fosse uma mulher. Por sinal, este não é o primeiro assim que escrevo.
Não se trata aqui de se fingir de mulher, se passar por uma, até porque o autor, masculino, assina o poema. Trata-se, sim, de exercitar esse discurso do feminino, em parte acessando a porção feminina da minha alma e em parte fazendo um exercício mesmo de imaginação.

Chico Buarque notoriamente faz isso e o faz muito bem.

Os riscos aos quais me referi acima, são de perder a medida da diferença entre uma mulher escrever e um homem escrever como se fosse a mulher a falar. Perder essa medida pode resultar em algo um tanto caricato e a 
intenção com o poema não foi fazer uma caricatura.

Quando nos deslocamos de nós mesmos para exprimir outro, quando tentamos encarnar um personagem, real ou fictício, esse despir-se de si para vestir outro - que nunca é completo, porque não conseguimos tamanha depuração e no fim um pouco de nós está lá presente - é sempre uma potencial armadilha e é preciso estar atento a isso no momento de elaborar o texto.

“O texto feminino não se constrói em torno de um Grande Sentido, mas em torno de minúcias, banalidades, desvios, multiplicação de sentidos minúsculos, do corpo, do gozo e das paixões". Do lvro “O que é escrita feminina”, de Lúcia Castelo Branco, psicanalista e doutora em Letras.



Dom

Esse homem forte e terno
Céu do meu inferno
me ataca pelos flancos
Saqueia saltimbanco
Lhe assino cheque em branco
Faz repicar meus sinos
com alma de menino
e truques de um Houdini
Me ama e vandaliza
Meu corpo à sua guiza
Esse homem não promete
Só cumpre e sem confete
Garimpa, perigoso
até achar meu gozo
Me deixa do avesso
e sai dizendo: un beso
No rastro paira seu cheiro
Um dom de pioneiro
de toda a gostosura
que sempre me inaugura


domingo, 1 de novembro de 2015

Tempo tempo tempo


O tempo, tema muito recorrente na minha poesia, é uma fabulação concreta de algo abstrato. As ampulhetas e os relógios digitais atômicos registram unidades disso e nos fazem crer nessa concretude.


Crono é um escravagista cruel das nossas vidas, ações, destinos. Cada vez que temos o lampejo de percepção de sua passagem, seu avanço, angustiados, estremecemos.
E assim nos apegamos a segundos, minutos, horas, dias e anos e séculos e eras e vivemos em função desses fragmentos mensuráveis.

O tempo acelera ou ralenta de acordo com nosso tédio ou fome sôfrega de viver. Nosso tempo interno, chamado tempo paradigmático, muitas vezes se revela incongruente com o chamado tempo cronológico. Nosso ritmo interno, nossa psicologia briga com o relógio e dessas refregas sempre resulta a sensação de perda e impotência diante do inexorável. É o triunfo de Crono sobre nossa natureza mortal e impermanente, nossa fugacidade.

Um andítodo humano pra essa opressão contínua é “congelar” o tempo com alguma vivência marcante e memorável, que proporciona transitórias sensações de o tempo parar, eternizar o momento pra que possamos fruí-lo de forma plena em sua pequena grandiosidade.

E depois nos resta a memória.






quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Poemusicais

Anos atrás, Chico Buarque de Hollanda, numa longa entrevista a uma jornalista e que se transformou num livro da série “Perfis do Rio”, revelou que não se considera um poeta porque suas canções nascem sempre na melodia e só no final surge a letra superposta à música. Discordo dele quanto a não se considerar poeta, já que suas letras quando lidas têm estatura de poemas. Curiosidades à parte, a questão que se levanta é a da musicalidade na poesia.

Não é incomum nos depararmos com textos onde a boa sonoridade e o ritmo envolvente estão quase ausentes. É bem verdade que a musicalidade, que é requisito da forma, é um dos vagões de uma locomotiva chamada conteúdo, mas ainda assim há que ter zelo também pela forma, sob risco de produzirmos poesia rica em significado, mas sonoramente pobre, relatório, bula, memorando.

Um bom caminho pra se perceber se um poema (e eu ousaria afirmar que também a prosa) é dizê-lo em voz alta. Um texto rico em significado, mas também com bom ritmo, tônico, com boas pausas, bom som, flui, soa empático com o ouvido.

É oportuno lembrar que na mitologia grega, as 9 Musas – de onde se originou a palavra música -  eram entidades inspiradoras dos poetas. Aliás na Grécia Antiga não se fazia clara distinção entre música e poesia e os poetas, os bardos, diziam seus poemas cantando.


Voltando ao mestre Chico, que não se considera poeta, eu analogamente diria que o poeta que imprime a seus versos musicalidade, deveria se considerar e ser considerado também um compositor, que faz música só com palavras, que põe versos pra (en)cantar.



sábado, 17 de outubro de 2015

Pequenas obstinações


Recolhe-se as velas na tormenta e se as enfuna quando a tempestade vira brisa
Na calmaria recorre-se aos remos
Na montanha russa que é a vida, as subidas podem se revelar mais fáceis que as descidas
E na vida as metáforas podem se tornar literais
Um caracol pode, ainda que de forma lenta, se deslocar incessantemente, mas sempre estará em casa
O ínfimo anão, no pôr-do-sol por trás de si, terá a sombra de um gigante
O planeta gira e gira em torno de si, talvez com a sensação de que está indo longe Como galopar num alazão de carrossel
Quando se chega no horizonte, tem outro horizonte tão distante pra se chegar
Quando um espelho reflete outro não se pode contar quantos reflexos produz
Tentar contá-los é função dos poetas
Tentar contar as estrelas também , mas Deus não quer que eles consigam
E eles seguirão tentando
A Ciência não consegue armazenar o fogo

Por isso conseguiremos um dia reinventar o amor

   

        
   





sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Do virtual ao denso


A chegada a mim, finalmente, do meu livro, me produziu de imediato a sensação de presenciar o nascimento de um filho. Tocado (eu e o livro), me pus a pensar de forma retrospectiva na sua trajetória, desde a concepção, toda a longa gestação e enfim o parto, que é ponto de partida rumo ao que der e vier.


É curioso, notei, como 99% do processo se deu no âmbito exclusivo da virtualidade. Explico: a ideia de fazer o livro, nos primórdios de um ano e meio atrás, surgiu de conversas virtuais com minha amiga curtidora de arte e poesia, Fátima Lanna, que acabou se tornando uma grande colaboradora minha na organização do livro, praticamente uma produtora informal, que só vim a encontrar presencialmente agora em setembro de 2015. E de lá em diante tudo foi sendo concebido e feito de forma virtual e à distância. O diagramador e autor da capa, que me foi indicado, também mora em outra cidade. Tivemos várias teleconferências via Skype, Márcio, Fátima e eu, pra tratar de detalhes atinentes ao projeto.

E assim foi também com a gráfica que fez a impressão, como também foi com o lançamento e divulgação, num site de financiamento coletivo e pelo Facebook e aqui no blog. Até os marcadores de página, que são parte das recompensas pra quem colaborou no financiamento coletivo com valores mais altos, foram encomendados via internet. O prefácio e o texto da contracapa, de apresentação do livro igualmente me foram enviados por email. Como podem ver, um longo e detalhado processo desde a concepção até a produção do projeto de forma completamente virtual.

Mas este processo deu uma guinada de 180 graus justo em seu último momento, quando os livros me foram entregues e agora serão enviados aos apoiadores do projeto. O que era no início quase uma abstração e algo impalpável, levou cerca de um ano e meio pra se tornar denso, um objeto folheável, transportável, o livro, de papel. Idéias, emoções, suor, lágrimas, risos, palavra, som, ritmo, poesia perenizada em cerca de 130 páginas. Filho concebido com amor e paixão enfim nascido e pro mundo.

Meus especiais agradecimentos a todos que acreditaram nesse projeto e particularmente a Roseli Pedroso, Rejane Machry, Aldalea Figueiredo, Cleusa Mari Gonzalez, Maria Aparecida Soares, Rachel Correa Lima e Raimunda Lucinda Martins, todos amigos virtuais que deram contribuições generosas pra viabilização do projeto.


E pra fechar, um poema que está no livro:


sábado, 3 de outubro de 2015

Retornos e afins

O leitor que seja um nômade que viaja e mora num trailer não vai se identificar.

Voltar para casa é prazer, alívio, liturgia, aplacamento. Muitos de nós gostam de sair por aí, viajar, conhecer lugares, pessoas, culturas novas. É gostoso e saudável. Mas comida e abrigo são os dois itens primordiais impressos no DNA humano e abrigo não é hotel aconchegante, casa de amigo hospitaleiro, barraca em camping seguro. Abrigo é a casa da gente, o chamado lar, seja ele uma espelunca condenada pela Defesa Civil ou uma mansão no alto da Joatinga com vista pro mar. É simbólico, pronto.

Na música é no cinema é tema muito visitado, mas destaco o belíssimo O caminho para casa, do diretor chinês Zhang Yimou, o mesmo de Lanternas Vermelhas e Herói. O título faz referência a uma tradição chinesa do campo, de fazer o féretro de um morto, da sua casa até o cemitério, para que seu espírito aprenda o caminho e possa depois retornar ao lar e permanecer perto dos seus entes queridos. Tradição que dá a medida da visceral importância que damos aos retornos para casa.

O rio corre pro mar
e em nuvem de chuva
pra nascente quer voltar

Águas procuram águas. Iguais se procuram, se agregam. Ocorre na Natureza e na natureza humana. A primeira é perfeita e a segunda, intrigante.



Águas

Um certo rio
com tal fastio
de ser caudal
que vai pro mar
pra variar
não quis igual
Ouviu seu eu
se reverteu
fluiu pra trás
pronde nasceu

Tal qual o rio
em pleno estio
choveu pro céu
Anoiteceu
por puro afã
de manhã
e até ventou
sem balançar
nenhum ipê
Veja você...

E o próprio mar
se decidir
que vai seguir
seu par fujão
vai inundar
tudo que é chão
até fazer
que cada ser
volte a viver
com Poseidon

E ao retornar
pr’onde nasceu
ele escutou
de longe o mar
no seu clamor
por lhe encontrar
E então voltou
com seu vigor
habitual

Manancial
que sempre vai
pra imensidão

Foi porque quis
Foi ser feliz
pro mar, então





sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Desconheço, logo, estranho

O verbo estranhar e o substantivo estranho se referem à nossa reação diante do novo e, por consequência, do desconhecido. Porque se trata de lugar, situação ou pessoa que não conhecemos e de forma instintiva, assumimos uma postura inicial de cautela, de autoproteção ante esse novo.


Essas palavras, em seu uso corriqueiro, acabaram ganhando o estigma de um único e negativo significado, apenas um sinônimo de esquisito e até suspeito. Assim, dizer que um cara ou um lugar é estranho já causa tensão, suspeitas.

Os artistas mais provocativos se apropriam desse recurso para mobilizar sua audiência, levá-la a pensar, questionar padrões, o que se convencionou chamar de “causar estranhamento”. Andy Wahrol é um bom exemplo disso, ao reproduzir em telas, gigantescas latas da sopa Campbell’s, na década de 1960, provocando o público a refletir sobre o conceito de valor intrínseco e extrínseco de obras de arte, extraindo um objeto banal do cotidiano corriqueiro. Mas o artista dadaísta Marcel Duchamp já tinha feito isso em 1917, com a obra “A fonte”, que nada mais era que um urinol, desses de banheiros públicos.

Depois do nefasto episódio de 11 de setembro de 2001, os tempos globais se tornaram ainda mais paranóicos e o que se viu a partir daí, foi uma espécie de encarnação na realidade do clima dos filmes de ficção científica de tanto sucesso na década de 1950, pós Segunda Guerra Mundial e prelúdio da recente Guerra Fria que polarizou o planeta em comunismo e capitalismo. A ótica era a do extraterrestre hostil, malvado e predador, afinal eram estranhos nos visitando e isso remetia mais a invasão e dominação do que a intercâmbio pacífico entre civilizações. A palavra estranho a serviço do atirar primeiro e perguntar depois.

Embora, as manifestações de arte que levam a estranhamentos tenham se tornado mais frequentes – estão aí as Bienais de artes plásticas para evidenciar isso - ainda predominam os conceitos do “belo”, do “estético”, do refrão da música que pega, do bordão de humor de fácil riso, do filme com princípio, meio e fim e ritmo ágil e esse é o padrão, o do senso comum e o que não se enquadra nesse panorama é considerado alternativo, “cabeça”, experimental e, porque não – estranho. É Hermeto Pascoal fazendo música criativa, meio misturada com performance, numa chaleira com água dentro, é Ferreira Gullar em poemas com inversões de sentido, o que os franceses chamam de "detournament" (desvios), é Caetano Veloso exercitando sua porção cineasta com um “Cinema Falado” que quase ninguém entendeu e poucos gostaram, a música dodecafônica soando “desafinada” e desconexa para ouvidos não habituados, a “body art” cobrindo inteiramente corpos e os transformando em grandes tatoos ambulantes.


O fato ao qual todos deveríamos nos curvar é que ninguém pode impor ao outro o seu “bom gosto”. E que estranhamentos em arte têm no mínimo a saudável função de nos tirar da zona de conforto do já conhecido, do “mais do mesmo”.





sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Alumbramentos

Alguns temas, objetos, situações, são recorrentes na minha escrita. Chamo essas quase fixações de alumbramentos (1. Ato ou efeito de alumbrar; iluminar; 2. Estado de quem se maravilha; deslumbramento; 3. Inspiração, arrebatamento, revelação).


Uns são concretos, a maioria, mas mesmo sendo objetos palpáveis, é claro que são metafóricos. Não importa a forma poética, se fixa ou livre, lá estão, assíduos, o espelho, o horizonte, os recomeços, carrosséis, palhaços, bumerangues, barcos, o mar, a própria poesia, as estrelas, os paradoxos humanos, o lado lúdico da vida, o tempo, o presente.

Certamente não vou me lembrar de todos, mas esses talvez sejam os mais frequentes e me encorajam a revisitá-los e com isso sobrepujar o receio de ser repetitivo. Como sou dos que pensam que a poesia é a negação do banal e que a vida cotidiana por suas repetições reverbera as banalidades, dou vazão a essas obstinações temáticas não sem temer que a originalidade me escape.

É interessante constatar que a maioria desses temas e objetos remetem a movimento e movimento remete a vida, ou seja, até no ato de digitar ou mesmo manuscrever os poemas, o movimento está presente. Vida refletida na palavra, seu som e no que ela evoca. Vida real misturada com imaginação. Da imaginação do poeta diretamente pra imaginação do leitor.


O poeta erige seu microcosmo com suas obsessões, delírios, esperanças, desencantos, euforias, perguntas sem resposta (ao poeta cabe muito mais indagar que responder), rir inclusive de si mesmo, brincar de pegar o leitor de surpresa. Os temas recorrentes são visitas nem sempre convidadas, simultaneamente paisagem, trilha sonora e protagonista de filmes cuja imagem, som e movimento são “só” subjacentes às palavras bordadas no tecido do poema.