Importante

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domingo, 26 de julho de 2015

Provocações


Volta e meia alguém me pergunta de onde vem a inspiração e eu brinco de dizer que só sei para onde ela vai: para os pulmões. Picasso disse que seu trabalho era 10% inspiração e 90% transpiração. Não tomemos esta afirmação ao pé da letra, já que foi uma força de expressão e valorar matematicamente tal coisa seria impraticável.

Mas penso que mesmo nos momentos mais árduos da tentativa e erro, do parágrafo que não fecha, do verso que empaca, dos deletes, do insight  que insiste em permanecer out, do título que não vem, o que no fundo predomina, mesmo que a consciência não detecte, é a criação, a ideia, o achado poético, a palavra com a sonoridade adequada, a música acontecendo, mesmo que não haja propriamente notas musicais. A coisa está por ali, subjacente em sua latência, viva, à espera de que a tirem do fundo, como um peixe fisgado pelo anzol. Há que apenas não ter medo de arriscar o garimpo e deixar falar mais alto o desejo das pepitas e pérolas.

A pergunta se faz de novo presente: de onde vem? Dos desvãos escuros ou cumes luminosos da memória? De uma epifania? Do inconsciente coletivo? Há quem ache que o artista é só arauto, antena e canalizador. Pode ser, mas já me satisfaz pensar que ele é um agente provocador, que ora obriga a nos deslocarmos do nosso ponto de vista habitual, ora só nos aprofunda numa percepção que já temos.

E provocador que foi, Nietzsche disse: "temos a arte para que a verdade não nos destrua"

                                








                                                                                                                                                
                                                                                                  


domingo, 19 de julho de 2015

Fecundação, gestação e parto


Meus caros amigos e leitores, acho que esta talvez seja a postagem mais despojada e não pensada com antecipação que já fiz em 3 anos e meio de blá blá blog.



O projeto do meu livro "Arrebatamentos e outros inventos" foi proposto por financiamento coletivo, o chamado crowdfunding e ontem a campanha no site que o gerencia se encerrou e foi bem-sucedida, alcançando 115% da meta.

Os sentimentos são mistos: evidente contentamento, alívio, cansaço, uma vontade já embrionária de partir pro próximo projeto e sobretudo a sensação de estar mais vivo que nunca, que escrever já opera isso em mim, mas neste momento, amplificada pela concretização e aceitação do livro.

Um ano e três meses trabalhando e pensando no livro e em silêncio, louco pra compartilhar isso com todos, mas me contendo pra não estragar a surpresa. Vê-lo aos poucos tomar forma, fazer sentido e me encher os sentidos, ver a capa, escolher o "nome", escolher criteriosamente os poemas e em que ordem ficariam, tudo isso resultou numa experiência singular e muito marcante. Valeu a pena cada segundo e que venha o segundo e terceiro! 

Pra não ser maçante, fico por aqui, celebrando com vocês a realização de um sonho e agradecendo por todas as congratulações. Deixo-os com um soneto do livro.




sábado, 11 de julho de 2015

A vida pisa fundo / a milhares de milagres / por segundo


Cada dia, nesse mundo e na vida de cada um, é uma sucessão de pequenos milagres. Por isso devemos celebrar, do jeito que der:

Soltemos fogos de artifício

Façamos um discurso

Dancemos freneticamente

Sorríamos para um desconhecido

Cantemos a plenos pulmões, inventando uma letra, despreocupados com a afinação

Escrevamos um rasgado poema de amor

Meditemos, em silêncio

Doemos sangue

Sejamos ricamente simples

Encantemo-nos

Sejamos gratos



Celebre


Celebre
cada ínfimo gosto
célebre ou não
Celebre feito um cão
que abana o rabo
pois não ri no rosto
Seja a célere lebre
ou a plácida lesma
Celebre, celebre
Dê vivas a si mesma!

Seja um delgado cisne
ou um cinzento bagre
Celebre esse milagre
de um mesmo outro dia
Xingue, amaldiçoe
Leve as naus a pique
Arranhe, entorte, quebre
mas depois celebre
só pelo querer

Tenha a febre
Não se medique
Diga que assim vai morrer
Dê chilique
Mas celebre o prazer
da fúria que é viver
Este romper de um dique




    

sábado, 4 de julho de 2015

O leitor é quase um coautor?

No flerte com as palavras, em meio à por vezes árdua urdidura dos versos, mesmo que a empatia seja recíproca, a insegurança diz presente. Sentimento típico de quem ama e não vê com bons olhos a possibilidade de ser traído pelo objeto da sua paixão. Mas também o receio do poeta de não honrar as palavras e em consequência não conseguir brindar seu leitor com um texto fluido, eloquente, que instigue, comova, acrescente.

Curioso este triângulo amoroso formado por autor, texto e leitor. Existe uma relação direta e indireta entre os três lados deste triângulo. O texto de certa forma é mediador entre autor e leitor. E se, autor, reverencio a palavra, numa relação direta com elas, de um modo indireto mostro meu zelo com o leitor.

Não se trata de escrever com a intenção de agradar. Escrevo antes de mais nada, para agradar a mim. Trata-se, sim, de apuro, de fazer com empenho e gosto. Talvez por isso eu já tenha escrito vários metapoemas, ou seja, poemas metalinguísticos, que usam a poesia para falar da própria poesia como entidade, o fazer poético, os porquês de poetar.

Vejo o leitor, de Literatura em geral e de Poesia em particular, como quase um coautor, que com sua imaginação e subjetividade se apropria do texto e a partir daí o autor não é mais seu dono, pelo menos não mais o dono exclusivo, senhor que não é do que cada leitor constrói quando lê e o poema o toca, modifica ou reforça.

Apropriem-se, pois. O autor permite e precisa disso.


Anti-tese


I

Queria um texto lento
de quase infinitude
sem mancha nem virtude
Inútil pro momento
Um anti-fabuloso
Sem nem moral da história
desfecho ou noves fora
Que fosse nebuloso

Extenso é o que preciso
mas ele, obstinado
me sai assim conciso
Se dá por terminado


II

Queria um texto arisco
veloz como um espirro
que não temesse o risco
da pronta rejeição
nem mesmo a pretensão
de um fácil elogio
Bem curto, bem vazio
Resumo, rodopio
Um texto assim no cio
Um grito de aflição
veloz como um pavio
na urgência da explosão

Mas como eu só queria
a vâ telegrafia
já quase o Alcorão
desperto da ilusão
Inúmeros os versos
já mais do que dispersos
Jamais breves serão