Importante

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sábado, 31 de dezembro de 2016

Os menores sonetos do mundo


Faz algum tempo, postei minha trilogia de sonetos feitos com palavras monossílabas, que inicialmente não passava da pretensão de ser apenas um. Alguns leitores comentaram que, por eles, eu não pararia na trilogia, mas nunca cogitei de ir além. Mas sabe como é, a gente já sente a coceira da inquietação, um vício. E se aí ainda somos instigados, as Musas da Poesia que nos rondam se alvoroçam.

Consequência: a trilogia virou tetralogia. Mas eu não queria mais do mesmo, não teria muita graça e quis dessa vez não um soneto monossilábico “normal” como o soneto e os dois sonetilhos que compunham a trilogia, mas um com só duas sílabas métricas.

Como em certos casos menos é mais, isso se aplica também aos fazeres e suas artesanias e versos de apenas duas sílabas métricas, nem por isso são mais fáceis. Então nasceu um soneto “monodissílabo”. Esse pronto e o rato rói a mente... : quem faz um com duas sílabas, faz um com uma.  Um soneto, portanto, com os 14 versos que um soneto tem que ter, mas com apenas 14 palavras. E todas monossílabas. Quem sabe não é o menor soneto do mundo?                                                                                                                                          Quem faz uma tetralogia, faz uma pentalogia...

E eis então aqui os novos protagonistas não “oscarizáveis”, dois sonetrips, com visual de sonetripas.





                                        


sábado, 17 de dezembro de 2016

Palavreando


Palavra, se a gente lavra, germina, vira verso, vira frase, romance, conto, repente, cordel, discurso, declaração de amor ou indignação, contação de história, relato da memória, letra de canção!

Palavra escrita, falada, cantada. Palavra só gesticulada! E o silêncio entre elas, que as acentua, feito alma que vai ficando nua a cada palavra que se insinua, que compactua, palavra minha, palavra tua, palavra nossa num coro, num choro ou num riso coletivo, coisa de ser vivo e pulsante e que por isso é falante da palavra que é luz na escuridão do inaudito, do não dito ou do grito preso na garganta da emoção que é tanta que entala, até que a palavra vem resgatá-la.

Palavra, diz-se que uma imagem vale por mil delas, mas mesmo uma só palavra, larva singela, pode redimir, ser redemoinho, transformar água em vinho, ser solar, tocar, co-mover, tirar pra dançar.



Palavrador

O lavrador da palavra
com lírica pá lavra
em lava semeia
enlevos, embates
e dança e se encanta
de ver germinar
da incessante lavoura
palavra tanta
regada a lágrima
saliva e suor
o inaudito
o melhor
o mais bonito
que jamais logrou
ou pelo menos
a pulmões plenos
e versos-setas
gritar pepitas
montar tornados
andar em brasas
adormecer exausto
no regaço da amada

E então outra vez
lavrar o solo da imaginação
e da memória
A pena e a pá lavrando
cavando no lado escuro
Passado presente e futuro
O som
A fúria
Quem sabe a luz
e o lusco-fusco do amor



sábado, 10 de dezembro de 2016

Cochichos poéticos


Uma das maneiras de se desenvolver um texto poético é a associação de ideias. Ia dizer livre associação, mas isso me remete a algo randômico e não sou tão anárquico como sujeito nem como poeta a ponto de gostar quando colocam dezenas de papeizinhos com palavras dentro de um guarda-chuva fechado e em seguida o abrem e do jeito que os papeis pousarem no chão, está feito um poema. Faz sentido enquanto provocação que mexe com o já estabelecido e só.


Poeticamente falando, associações de ideias se dão pelas afinidades sonoras e pelos significados das palavras, daí elas não serem plenamente livres. O telefone-sem-fio da brincadeira infanto-juvenil se sofistica na mesma medida do amadurecimento de quem brinca (a sério ou não) de poetar.



Na prosa - mais na ficcional - as associações de ideias se fazem presentes, mas por se tratar de linguagem extensiva, é na poesia, linguagem eminentemente econômica, movendo-se num território mais exíguo, onde a escassez do significante busca produzir a abundância do significado (e nisso reside boa parte do fascínio exercido pela poyesis) que as associações de ideias ganham sua face mais extrema e visível para o leitor.



O enfoque nas associações de ideias não significa o elogio à forma pela forma. Um texto poético assim pode, mesmo quando de maneira subjacente, em segundo plano, sutil, ter o(s) significado(s) como passageiro(s) desse significante-veículo.



                                                                                   

sábado, 3 de dezembro de 2016

Especulando com fusões


A prosa incorporando o poético, como (mal comparando, é claro) em Guimarães Rosa; a poesia tendo como suporte formal o prosesco, lapidarmente presente em Manoel de Barros; fusão de duas linguagens, sem predomínio, enfim, onde, quando e porque demarcar territorialidades e fronteiras? Rótulos contribuem, reduzem, confundem? Prosa poética? Poesia prosesca? Simplesmente texto poético?





sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Considerações "haicaicas"

"O Sentido e a essência não se encontram
em algum lugar atrás das coisas,
senão em seu interior, no íntimo de todas elas."

Hermann Hesse


O haicai é um micropoema de apenas três versos, de característica marcadamente contemplativa da Natureza, surgido no século XVI, no Japão e que vem se espalhando por todo o mundo do século XX em diante.

Ao longo da história da prática, e inclusive na atualidade, são incontáveis os mestres, monges e leigos que se dedicaram a expressar de maneira poética o pensamento zen.

Ele ensina que o universo revela-se totalmente novo a cada instante. A matéria poética do zen é este instante presente, que não se pode agarrar, no qual a linguagem ainda não interferiu. A poesia zen expressa a identidade e a unidade de sujeito e objeto a cada instante, é o dharma, a mente de Buda manifestando-se espontaneamente em cada fenômeno.

Ao sol da manhã
uma gota de orvalho
precioso diamante.

Matsuo Basho (1644-1694)


O haicai é uma das formas poéticas que mais exercito.
Muitos leitores em geral e leitores meus em particular não conhecem esta forma poética.

O haicai, como se apresenta nos dias de hoje e no Ocidente, ganhou características próprias, não enfocando, por exemplo, necessariamente só a Natureza, as coisas concretas.  Seus preceitos são mais maleáveis que o haicai original japonês.

No meu idiossincrático e sincrético ponto de vista estético, acho leniente essa maleabilidade que tolera variações métricas e temáticas, posto que, afinal, somos ocidentais, não temos escrita ideográfica, não somos descendentes de samurais e nosso exercício poético é sobre uma adaptação, uma coopção, diria até uma corruptela da forma pura. (Os autores ocidentais mais tradicionalistas preferem chamar esses haicais ocidentalizados de poetrix.)

Creio que de outro modo, seria imitação e consequentemente o resultado seria o pastiche. Uma analogia que me ocorre  - me perdoem a irreverência -  seria um monge zen tentando sambar.

Dois “haicaicos” brasileiros pra mim são referências: Millôr Fernandes, dramaturgo, cartunista, tradutor, escritor e gênio e Paulo Leminski, professor e poeta hoje mui justamente cultuado. Millôr é influência confessa minha, em tudo o que fez, pela sua perspicácia, seu humor corrosivo com as instituições, seu senso de ritmo e sonoridade (que sempre busco). Ele tem um livro de haicais que ele mesmo ilustrou e que considero precioso.

Leminski é um caso atípico de referência reversa, porque só vim a conhecer sua obra há uns poucos anos, quando eu já tinha escrito quase duzentos haicais. Sinto uma afinidade temática, estética e existencial muito forte com ele, mas, ao contrário do que várias pessoas me dizem e até paradoxalmente, não vejo significativas semelhanças entre nossos textos. No entanto, meu encantamento com o que ele produziu passou a ser inspiração pra mim.

Eu te fiz agora
Sou teu deus, poema
Ajoelha e me adora

Paulo Leminski



Pra mim, haicai é exercício de economia. Dizer o máximo com o mínimo de recursos. Poesia, assim vejo, é a linguagem da supressão e o haicai é a poesia de supressão por excelência e na sua forma mais aguda. Um haicai deve surpreender, ser um flash, comentar, refletir, cutucar o ombro do passante que olha pro chão e fazê-lo dar de cara com algo inesperado, pintar um quadro, verbalizar um insight, um aeroplano que puxa uma mensagem, um recorte de notícia de jornal, uma vinheta, uma risada, um acorde, um salto mortal.

Ilustração em nanquim de Ana Eliza Frazão


sábado, 12 de novembro de 2016

Arte e revoluções


Em tempos de exaltação da modernidade veloz e voraz, que dilui, mastiga e descarta, rendo uma pequena homenagem aos anos 1950 e 1960, quando, primeiro os beatnicks e depois os hippies, constestaram o stabilishment, transgrediram normas, sonharam utopias na prática, adotaram On the road, de Jack Kerouac  (agora transformado em filme por Walter Salles) como bíblia, apreenderam o humanismo existencialista de Jean Paul Sartre, ressaltaram o papel transformador da arte, adotaram o Ahimsa do Mahatma Ghandi, a resistência pela não violência, o desapego material do budismo e do hinduísmo, as flores nas bocas dos canhões, (no Brasil, o inesquecível Dom Hélder Câmara era a síntese de tudo isso).


Enfim, com toda a diluição pelo que tudo nesse mundo passa (George Harrison compôs All things must pass), a essência disso perdura e como Milton Nascimento e Fernando Brant disseram, nada será como antes, o mundo não foi mais o mesmo desde então, por boas e más razões e fico me perguntando se hoje, por exemplo, existiria o Greenpeace e todo esse movimento de consciência ambientalista se não fossem nossos heróis e anti-heróis dessa época, um Mohamed Ali sendo preso por ter se recusado a matar irmãos de outra nacionalidade na guerra do Vietnam.



Então, como sou só um poeta, faço uma singela e poética homenagem a esses tempos singulares e marcantes, de hedonismo libertador, do sonhar um mundo mais justo, o Paz e Amor que pode ser que nunca se estabeleça, mas que só buscar já vale a pena e nos faz mais humanos, emulando a pop art de Andy Wharol e a irreverência rebelde dos poetas marginais.






sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Poetas são alados



Os mitos têm duas vias.  São espelho de uma cultura, da sua cosmovisão e ao mesmo tempo contribuem para estruturar, codificar sua ética, conduta. Mitos tanto são redentores como balizadores do que existe de obscuro na natureza humana.

Dentre os redentores, tem proeminência o herói, seja divino, como Hércules ou humano, como Perseu, arquétipos da eterna busca humana pela perfeição, numa mistura de retidão de caráter com bravura destemida.

A mitologia não é muito pródiga em poetas. Então temos que buscá-los na vida mortal e terrena mesmo. Ovídio, Homero, Safo de Lesbos e Píndaro, entre outros, são nossos heróis em carne e osso, que assumiram o papel de narradores e perpetuadores dos mitos e abriram caminho para a poesia moderna, esta nem sempre envolta em halo heróico.

O liame que existe entre o herói e o poeta é bem expresso no mito de Ícaro. O homem que quis ser pássaro e o poeta se lançam no vazio. Se aventuram, um nos ares e os outros no desconhecido das metáforas, versos e lirismos.

É como se, para Ícaro e para os poetas, o fundamental fosse o caminho e não a meta. A morte de Ícaro, apesar de obviamente trágica e consequência de seu fracasso, foi tão poética quanto sua tentativa.

Com os poetas ocorre algo similar, guardando-se as devidas proporções.  Ao poeta, mais interessa que seu texto seja mapa, inventário de suas emoções e vivências, que lenitivo e panacéia pra suas dores e angústias. O poeta se salva na escrita e não encontrando o pote de ouro no fim do arco-íris. Assim como Ícaro legitima sua empreitada no voo, sua exuberância está nisso, a morte só tem relevância enquanto parábola sobre a imprudência.

Bendita imprudência de Ícaro e dos poetas, que nos toca pela via da reinauguração em nós do sonho,  da nossa necessidade visceral de sermos impulsionados por ele.

Esse paralelo entre Ícaro e os poetas resultou neste soneto:


Saga

Tão destemido, Ícaro decola
no rumo tão incerto quanto audaz
Não é o gesto heróico dos mortais
mas a ancestral vertigem que o assola

Frágil bem sabe a cera de suas asas
Que o inclemente sol vai derretê-la
Contudo alça o seu vôo até as estrelas
como se fosse o Cosmo sua casa

A queda é o previsível fim da saga
Mas a busca ultrapassa a própria meta
e vai além do oceano que o esmaga

No seu retorno o eólico poeta
mergulha em fogo e luz que se propaga
a clarear os céus de toda Creta
            
             


assistam no Youtube o vídeo com animação do meu poema circular "Continuum"

                                          http://www.youtube.com/watch?v=X0jPVdpdk7w

sábado, 29 de outubro de 2016

Metafísica nisso


Ao poeta ocorrem muitos temas, mas não necessariamente a maioria se transforma em poemas. Há mesmo poetas quase que monotemáticos, que perseguem recorrências sem pudor. Não me encaixo nesses extremos. 

Mas, quando em vez, questões metafísicas me assaltam. As clássicas perguntas sem resposta que talvez encontrem na prosa um terreno mais propício para suas especulações e indagações.

Ainda assim, o poeta aqui se permite cometer umas poesices sobre quem somos, de onde viemos, para onde vamos. A coisa cósmica me atrai e fascina. Adoro programas sobre o Universo, Astronomia. Deve ser bem coisa de poeta mesmo.

O que existia antes da Grande Explosão?  O Infinito não tem mesmo fim? E o Universo, onde começa e termina? Deus existe ou é só uma projeção da nossa imaginação? Somos literalmente filhos das estrelas, ou seja, feitos da mesma matéria que elas? Isso soa poético, embora seja Ciência.

Há quem simplesmente ignore essas questões, há quem se angustie e há quem, como eu, poeme sobre.

Uma das minhas perguntas sem resposta, se a vida e tudo à nossa volta é real ou apenas um sonho bem realista, uma alucinação permanente, encontrou acolhida numa teoria recente da Física Quântica: a Teoria de campo reticulado (teoria de física contrária à noção de tempo e espaço continuum da qual temos conhecimento) na qual tudo o que nossos sentidos e nossa consciência dão conta, pode não passar de projeção e o que os físicos chamam de o mais perfeito videogame já feito.


Daí verti isso num poema. Não precisamos ser solenes ao poemar sobre temas assim.


                                    
    

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Da gratuidade dos sonhares

Morfeu é o deus dos sonhos. Nós, suas presas, somos primeiro sedados por seu filho Hypnos, deus do sono. É quando Morfeu entra em cena pra nos induzir a sonhar. Os serenos são premiados com sonhos bons e aos intranquilos restam os pesadelos.


Sono e sonho são fisiológicos, pra que o cérebro se autolimpe. Inconscientes, dormindo, sonhamos. Parte minúscula dessa viagem suprarreal vem à consciência quando acordamos e quando isso acontece, o nosso dia amanhece regado a café e pão com recheio de resquícios de sonho. Será por isso que aquele pão doce com creme se chama sonho?

Mas o sonho ampliou sua área de significado, passou a ser também devaneio, sonho acordado, acalentado, secreto ou assumido, idealização, foco num futuro que pode ser breve mas tende a ser distante. E até mesmo quando um sonho não chega a se realizar, ele pode efetivamente nos constituir, como se evidencia em lutadores por várias causas sociais que não chegaram ao final dos seus objetivos, mas deixaram um legado para seus seguidores e foram fonte de inspiração de sonhos coletivos.

O homem que não sonha assim é asceta ou cínico. Não aspira, não rompe seus limites, não se transforma e tende a não acreditar, vai se encolhendo pra permitir que o desencanto ocupe espaços cada vez maiores em si.

Começamos a sonhar com o que desejamos, o que queremos vir a ser, a ter, a viver, experienciar, conhecer, desde crianças. Muitos sonhos que se realizaram mudaram o mundo, a Humanidade, os rumos da Civilização e crenças foram revistas. Visionários, como Einstein, são tidos como loucos até que seus sonhos se concretizem. Até os cães sonham.

Como John Lennon em Imagine, somos movidos por sonhos desde os mais grandiosos aos mais ínfimos e particulares. Acalentar sonhos agrega sentido ao viver. Ajuda a olhar pra frente, fazer, refazer, inventar, inovar...e até escrever  fantasia, delírio, sonho, premonição, versos e sobretudo, humanidade.




                                                                                 
 

sábado, 15 de outubro de 2016

Me per-mito

Um mito é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa (origem dos astros, da Terra, dos homens, das plantas, dos animais, do fogo, da água, dos ventos, do bem e do mal, etc.”

Quem narra o mito? O poeta-rapsodo. Quem é ele? Por que tem autoridade? Acredita-se que o poeta é um escolhido dos deuses, que lhe mostram os acontecimentos passados e permitem que ele veja a origem de todos os seres e de todas as coisas para que possa transmiti-la aos ouvintes. Sua palavra - o mito - é sagrada porque vem de uma revelação divina. O mito é, pois, incontestável e inquestionável.”
                                                                                      Humberto Zanardo Petrelli


Poetas já não ostentam todo esse prestígio. Mesmo assim vocês ainda nos consentem sermos delirantes ou pelo menos lúdicos. Somos então mais mitômanos - nome chique pra mentirosos compulsivos – que mitologistas. No território livre da Poesia vale não só brincar, mas também experimentar, tentar dizer o indizível (só tentar já vale) e o inaudito, arremeter pequenas provocações com disfarces líricos em voos rasantes, veementes, doces, gaiatos, sensuais, graves.

Sendo assim, quis brincar de recontar um mito e o fiz livremente e em forma de letra de uma canção. Mitos sobre os elementos da Natureza e sobre o Cosmo sempre me fascinaram. Dentre eles o fogo, com sua aparência e consistência singular. Na verdade uma chama, uma pequena labareda qualquer, é uma miniatura de estrela, de um sol e é um deles que nos provê de vida. O fogo tem servido como fonte de ricas e perenes metáforas poéticas. Mas nesse caso o fogo não foi metáfora para o poeta, mas simbólico para os personagens do poema-letra.





Bravo guardião

Firme guardião da chama eterna                     
Vida toda a postos na caverna
para o fogo nunca se apagar
mesmo que atravesse todo o mar

Mas o inimigo quer roubar
a luz que derrota a escuridão
E ele enfrentará com as suas mãos
o que ousou o lume profanar

Numeroso o inimigo atroz
se faz ouvir o seu rumor
Mas o guardião no seu fervor
tem poder de um coração veloz
e lutou mostrando o seu valor
Pânico ao trovão da sua voz

Como um destemido semideus
o sagrado fogo protegeu
O seu povo teve gratidão
Dança, cantoria e comunhão

raiou o dia e o guardião
volta para a semiescuridão
Segue em sua missão de resguardar
a eterna chama a rebrilhar


sábado, 8 de outubro de 2016

Poyesis, ser ou não ser. Eis a questão?



Num país que ainda lê pouco
e onde o livro não é caro
e sim o salário é que não cabe no livro
pode parecer meio bizantino
debater os fazeres poéticos
e o tênue limite entre poesia e prosa
mas, enfim, sejamos renitentes e otimistas
até porque a Internet, mais e mais
tem se tornado
o território livre da poesia
de forma até avessa ao livro
que tem o crivo do editor


Comecei escrevendo esse post com frases, pontuação e parágrafos. Mas o tema me fez dispor o texto dessa forma vertical, típica da poesia, para alimentar o debate. É saudável a discussão, não necessariamente em busca de consensos, desde que não degenere em discriminação e patrulhamento.

Embora eu tenha brincado com livro / livre / crivo, o poema lá de cima na verdade é prosa.

No meu modo de ver não são métrica, rima, estrofes que determinam se estamos diante de prosa ou poesia e sim quando percebemos uma intenção poética no texto. Armando Nogueira escrevia crônicas futebolísticas eivadas de tiradas poéticas. Não chegavam a ser poemas, mas podemos chamá-las de prosa poética, que é um termo que tenta espelhar esse hibridismo característico da transição entre as duas linguagens. Guimarães Rosa escreveu romances num linguajar singular que o aproxima do poético, não há métrica, rima nem verticalidade visual, mas seus textos exalam poesia. 

Penso que mesmo os rigores da forma não existem para tolher a criação. Eles podem tornar prazeroso criar se atendo a cânones. De uma métrica precisa pode resultar uma rítmica envolvente, de uma rima pode emergir um conceito. Penso que no fundo é mais uma questão de habilidade, inspiração e senso poético, que resulta em boa ou má poesia e que ainda assim é visão subjetiva. Vejo poesia ruim rimada de forma forçada ou de forma sonora e criativa, assim como vejo poemas sem rima alguma que são brilhantes (Pablo Neruda fez cem belos sonetos de amor sem nenhuma) e outros tantos sem rima que são péssimos. 

Poesia de certa forma é dança e música e é dada ao poeta a escolha de tocar o piano poético, com rima, métrica ou sem elas, ou  carregá-lo penosamente nas costas, entediando e não mobilizando o leitor.

Mas discutir isso não cabe num post só.

Pra fechar, um soneto que fiz quebrando a regra das rimas, já que não as usei e ousei seguir o Neruda:

                                                       

Ungidos

Impulsionados da maneira certa
os bumerangues cumprem trajetórias
de ida e volta ao ponto de partida
com vento, chuva ou céu de brigadeiro 

Um dia um deles quase esbarra em outro
E logo ambos voam paralelos
Algo em comum além de bumerangues
os atraiu de modo irresistível

É que ao contrário dos da sua espécie
os dois são força a impulsionar a si
o que permite o voo de improviso

E ambos ungidos pelo raro encontro
se amalgamaram em nova e eterna rota
de nunca mais voltar ao mesmo ponto 


                                                                               
            Assistam o vídeo baseado no meu livro: http://www.youtube.com/watch?v=RwY7bTSfqpc

sábado, 1 de outubro de 2016

Antítese a favor



Escrevi um poema que propõe um jogo lúdico pela via de uma narrativa pseudo erótica, que joga com a aparente contradição entre erotismo e não carnalidade, ou seja, o intangível tratado como denso. Recorrer às antíteses é um recurso oportuno, que pode exercer variados papéis. Um deles é de desconcertar, coisa bastante saudável. Até porque entendo que na arte em geral e na poesia em particular (adoro dizer isso), não vejo sentido em apenas mais do mesmo, no previsível, dèjávu, no já dito e feito.
Desconcertar faz pensar, se questionar. Não é função única da poesia, mas tem sua relevância. Antíteses têm o dom de nos deslocar do nosso assento cômodo, colocando acentos onde eles convencionalmente não estão, como marcadores, pequenos choques no nosso embotamento, porquanto cotidiano, quase despercebido.
No caso do poema que se segue, as antíteses serviram ao propósito de criar um espaço, um âmbito de transcendência, uma mudança de patamar, num jogo entre o denso e o intangível, entre sensação (sentidos) e sentimento, apontando novos sentidos. O erotismo convencional, carnal, aparente na forma de um poema pseudo erótico.

                                                                  
Condensação

Muito me comove a libido
quando você, que me entende
atende os meus pedidos
e isso faz urgente
que o meu afeto
frequente o vão predileto
no fundo do teu carinho
bem apertadinho

E sem pedir licença
te cravo a minha presença
na tua febril saudade
de jamais ter saciedade
Tua aura sobe as paredes
quanto mais me bebe, mais sede
Geme a alma no estertor
O amor se adensa e faz amor

   
                     Assistam o vídeo baseado no meu livro: http://www.youtube.com/watch?v=RwY7bTSfqpc