Importante

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sábado, 24 de setembro de 2016

Rirterapia

A hiena, que eu saiba, ainda não está em processo de extinção, mas nós temos visto cada vez mais oseu riso por aí estampado em rostos humanos ilustrando deboche e sarcasmo, costumeiras armas dos mesquinhos. Mas o riso que brota da leveza, da alegria, mesmo aquele maroto e gozador, este nos ensaboa e enxágua a alma e constrói instantâneas, instintivas pontes com o outro.

A ciência nos diz que rir desencadeia alguns processos fisiológicos benéficos. E a sabedoria popular observa que quanto mais se ri, mais precoces e numerosos são os pés-de-galinha nos cantos dos olhos. Que ostentamos sem tristeza.


 O riso faz vinco
    que se incorpora ao olhar
     Mais, quanto mais brinco


Ridículo é o que produz o riso. Temos a vocação tanto para cair no ridículo - do qual tentamos escapar e por isso mesmo nos afundamos ainda mais nele – quanto de rirmos do ridículo alheio.
Aliás, o riso é contagiante. Se alguém gargalha, mesmo não sabedores do motivo, entramos em ressonância e cada um que se soma a esse coro, é como uma garrafa a mais derrubada nesse boliche.


                                                   

   Rasguem os currículos
   Viver não é tão a sério
    Sejamos ridículos

O palhaço nos representa bem. Somos aquele atrapalhado, ardiloso, criança pequena ou grande, sentimental, sonhador, no picadeiro, nas telas. Arrelia. Carlitos.

Rindo deles, rimos sobretudo de nós. E isso nos mantém humanos.



Rito

Nem sempre vem à boca o riso mais sagaz
Às vezes se dilui no sopro das narinas
Por outras se nota o brilho das retinas
Não raro as gargalhadas são viscerais

Existe o sério, estreita fenda pensativa
Estranho e intrigante como o da Gioconda
Também o que transforma múmia em coisa viva
Que surge sem motivo e se propaga em ondas

O riso é um incessante rito de passagem
Do medo mais adulto à infantil coragem
No rir pra não chorar que atenua a dor

O riso teima em vir em tempos de não rir
Resiste até no esgar do rosto de um faquir
No riso derradeiro de quem ri melhor


domingo, 18 de setembro de 2016

Máscaras sobre máscaras

O mundo, década após década, foi cada vez mais se estruturando em imagens e imagem. A propaganda e o marketing foram injetando a superficialidade no comportamento e continuam fazendo isso de forma cada vez mais massiva. Não só o ter sobrepujando o ser, como até o próprio ser sendo sistematicamente atrelado ao poder, transformando o sistema de crenças coletivo.


A virtualidade, aquisição recente, se transformou num bem comum e entre bons e maus usos, vimos vicejar o game Second Life transposto pra “realidade”, o sorriso automático pra foto, o perfil na rede social irradiando felicidade, sucesso e o estar “de bem com a vida” sem limites.

Na verdade, a vida social nos induz a, muito frequentemente e sem que nem nos demos conta, não só vestir uma máscara, mas sobrepor uma sucessão delas, cada camada representando o que se quer aparentar em dado momento e circunstância. Então um ato aparentemente catártico de retirada, de uma máscara, de desnudamento, acaba sendo aquela dança dos sete véus, onde só se tira o véu mais superficial e mesmo assim dá-se a dança por concluída.

Preocupação assim quase patológica com autoimagem e sua propagação social tem íntima ligação com as nossas idealizações e elegemos como prioridade tornar público um eu que gostaríamos que fosse real e principalmente estável e permanente. Porque a ideia da não aceitação por nossos pares igualmente idealistas nos esmaga.

A poesia, quase que sempre tendendo às idealizações, não trata com frequência desse tema. Esta sanha não poupa nem os poetas. Não somos imunes a ela, mesmo buscando vieses estéticos e temáticos diversos.


Uma tentativa minha de pegar outros trilhos pro meu trem, desvios da linha principal, figura nesse poema:


Desvenda


Intruso, saltimbanco
Irado, anjo torto
Invado e te arranco da zona
de conforto
em que te encontras
sua tonta
Bem no cais do porto
seguro, cercado de muros

Se a vida te clona
Faz de ti outra quase igual
Te trago de volta à tona
Que quero a original



sábado, 10 de setembro de 2016

Precisões imprecisas


A moral vigente, em quase todo o seu arcabouço encampada por nós, diz que todo prazer tem seu preço.

E com os poetas não é diferente. O prazer de erigir poemas, esculpir versos, lapidar rimas, nunca vem de forma, digamos, absoluta. Invariavelmente vem coadjuvada pela angústia. Parte pelo prazer de escrever em si, parte porque o poeta habilmente a escamoteia, a angústia tem causas variadas. O perfeccionismo é uma doença benigna que assola uma parcela dos poetas. A causa é uma obssessiva e nunca pacífica perseguição à excelência. O efeito toma corpo no medo de não haver o distanciamento e a autocrítica suficientes. Angústia e insegurança que, é claro, se estende aos críticos e leitores, por mais que poetas afirmem que sempre só escrevem para agradar a si.

E ricocheteando entre angústias e prazeres, quando em vez os poetas precisam do leitor como confidente e abrindo janelas com metapoemas, convidam à bisbilhotice consentida, uma espécie de falsa pausa ( o poeta é um fingidor) de suas divagações amorosas ou metafisicas, para falar de poesia. Do processo, do ofício e dessa maneira tão peculiar de ver a vida e falar de amor, de dor, agruras e encantos.

É necessário. E nunca é demais.


Não quero mais


Não quero mais ser poeta
Poetas não matam fomes
Empilham versos e nomes
e fingem que atiram setas

Poeta não vou ser mais
de arroubos nos estribilhos
Melhor conceber mais filhos
Produtos mais funcionais

Estrofes, rimas, lirismo
Amores, dores, encantos
Pra que versejar espantos?
Melhor aterrar abismos

Que o verbo é gozo e tormento
O Inferno no Céu de Dante
Quixote contra Cervantes
Vítimas dos seus inventos

Viro a folha com humor
que a vida é a melhor canção
Mas com uma condição
Que a musa me jure amor