Importante

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sábado, 30 de setembro de 2017

Phyllos


A experiência extrema e perturbadora que é viver  nos leva a buscar alentos, atenuantes. Sem fazer juízo de valor: uns se apegam à religião, outros a alguma paixão, uns à arte e outros ainda a uma postura um tanto cínica que consiste em saudosismo escapista, descrença em tudo e todos e absoluta desesperança.
Fico com a arte. Não que ela seja a resposta pras angústias, aspirações e mistérios da vida, não por escapismo, mas por acreditar que a arte é um mediador entre o Eu e o mundo. Ela faz pensar, ela lança luz, ela encanta, nos mobiliza, instaura o primado do belo e exerce um descompromissado e meio anárquico papel terapêutico de tanto perturbar quanto mobilizar.
Perdi a conta de quantos relatos ouvi de gente que foi salva pela arte em circunstâncias de desânimo, vazio, incerteza.
O artista tanto constrói quanto desconstrói o estabelecido, com suas peculiares visões. Mesmo quando se apropria do que é mais banal no cotidiano. A arte que não embarca no que inaugura, na invenção ou reinvenção, em regurgitações criadoras, somente estaria reproduzindo mais do mesmo, num enfadonho burocratismo que compila e coleta clichês que só servem pra manter tudo no mesmo lugar.
Então esse lugar da arte é único. Singularidade que se faz necessária pra não sucumbirmos à verdade, como sabiamente disse Friedrich Nietzsche, filósofo e poeta.


Ressonância

Então minh’alma é pega de surpresa
O russo Rachmaninov num prelúdio
Tocado em grande órgão de mil tubos
Mal posso suportar tanta beleza

Tamanha angústia , fúria e incerteza
Sublime e visceral, me deixa mudo
Talvez narrando a síntese de tudo
Aguda pequenez, grave grandeza

O músico fibrila em extertor
Canal carnal de gelo e de calor
Limites da existência num conflito

A nave da igreja em ressonância
Meu choro é emoção de redundância
Na pré-palavra a fala do inaudito

  







sábado, 23 de setembro de 2017

Duros tempos

Nestes tempos cínicos de mais circo que pão, só a poesia pra tentar lançar alguma luz sobre a cena.



Tapumes

Entre tiros e vírus
Somos sobreviventes
Sobressalentes
Gente pelo ladrão
Massa falida
Bala perdida
encontra o alvo
aleatório
Prós sãos e salvos
Genuflexório
Acima imploramos
Aqui deploramos
E vamos assim
Círco e pão
Círculo sem fim
Sentidos, distração
Orgulho e joelhos feridos
Mergulhos sem pé nem sentido
No raso
Ao acaso
O esbulho do entulho
Farsa de dois gumes

Por trás dos tapumes


sexta-feira, 15 de setembro de 2017

O avesso em versos



Nãos


Ostra não alardeia pérola
Pérola não enfeita colo plebeu
Plebeu não tem sangue azul
Azul não é mais a cor da baía
Baía não é mais a casa do peixe
Peixe não é mais milagre do santo
Santo de casa não faz milagre
Milagre não é solução pra miséria
Miséria não deixa criança crescer
Crescer não é o único direito

Direito não é pros avessos


sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Contando

Ser artista é dar murro em faca pontuda e nadar contra a corrente. Portas fechadas? Não existem portas, só janelas, por onde esticamos pescoços pra bradar. O mundo é prático e tende a preferir simples arremedos a coisas menos rasas e imediatistas que obrigam a refletir. Estamos na ordem da estupefação e do atordoamento, anestésicos pra angústia de viver sem no fundo nem na superfície sabermos  a que se destina e com que propósito. E vamos alternando escapismos com filosofices  e individualismo com coletivices solitarizantes. Nietzsche disse que temos a arte pra que a verdade não nos aniquile. O que parece fuga é concretude e motor. O artista antena e reverbera tudo isso e regurgita de várias formas, particularmente o contador de histórias, o raconteur, o menestrel, o repentista, o rapper, o  poeta.

                 Narro o que narra


Aponta o lápis
Extrai as farpas
Sem penas próprias
Encharca a pena
Vazam volúpias
Noites de núpcias
Força do verbo
Na dor que narra
Fugas e amarras
Mais os prazeres
Superlativos
(que ele amplifica?)
Sim, tem seus crivos
que não sabotam
Não vive em Gotham
Nem todo mote
é embarcação
Ora canção
Gritada trova
Copo de fel
ou mel no favo
Em desagravo

ao coração


sábado, 2 de setembro de 2017

Centelha sem telha

Enquanto isso, no país que é justo com seus trabalhadores e que trata bem os idosos a ponto de garantir trabalho PARA TODA A VIDA...


Cién años

Quem nunca comeu melado
Sem ele vai prosseguir
Sujeito posto de lado
Banido do seu porvir

Nem plano B arrojado
Mandinga, reza, elixir
Destino de aposentado
Comer do pasto a raiz

Viver cem anos, quem sabe
Pra então ter o que lhe cabe
Enfim desescravidão

Depois de imensa jornada
Gozar a vida é piada
Cem Anos de Exploração