Importante

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sábado, 27 de janeiro de 2018

Proibido oprimir


Uma leitura mais apressada do soneto que se segue, poderia levar ao entendimento de que se trata de um poema contra o amor.
Mas na verdade é sobre a ditadura que nos impõe sermos felizes.
Tudo o que nos é imposto, em primeira ou última instância, nos violenta.
A gente sempre se depara com o quão esmagador isso é pra muita gente.
O glamour, os sorrisos facebookianos. São sintomas.
Precisamos passar a imagem de que estamos sempre esfuziantemente ótimos e a mil por hora.
Ser feliz é um dever, portanto temos pelo menos que aparentar.
Quem escapa desse aprisionamento é visto como depressivo, pessimista e até misógino.
É proibido não ser feliz o tempo todo.

Mas Caetano reverbera, mais sábio: É proibido proibir.


Ditadura

Noite e dia, sempre cismo
O ideal de ser feliz
Da flor ao caule e raiz
É um simples escapismo

Todo plano tem sua meta
Toda meta, um valor
Apostar sempre no amor
É missão de grande atleta

Ser feliz são tentativas
Mar repleto de águas vivas
Emergir sem se queimar

Felicidade que esmaga
Cada fôlego é uma saga
Peixe se afoga no ar







sábado, 20 de janeiro de 2018

Políticas


Habitamos este planeta plural e repleto de singularidades, mas nossa mentalidade é dual. O que fazer pra criar congruência entre esses dois aspectos? Talvez nada. Pelo menos se nos limitarmos a padrões já usuais. Na prática ainda vai levar tempo (e espaço) pro Homem vivenciar a relatividade quântica descoberta por Einstein.

O Homem se opõe aos elementos,  interfere.  Cultura versus Natura. Desvia cursos de rios, faz represas, desmata, mata animais que são parte vital do ecossistema.

Mas, duais que somos e não plurais, nos apegamos a cara e coroa, claro e escuro, frio e quente, Bem e Mal. E nestas oposições que induzem a desconsiderarmos as nuances das transições, ações e pensamentos literal e subjetivamente sempre em construção, pautamos nosso comportamento.

Some-se a isso os invisíveis grilhões da retidão a violentar nossa natureza dual que deveria ser plural, temos códigos morais distorcidos por fundamentalismos, ou plenos de idealismos praticamente inatingíveis por nós, “defeituosos”.


Portanto, nossos dualismos costumam ser punidos em várias instâncias, o que instiga à hipocrisia, ao bom-mocismo de ocasião e a uma - ora velada, ora não – caça às bruxas. O sistema do “crime & castigo” vagando qual fantasma tentando vestir carapuças e errando alvos, a serviço dos interesses políticos e manipulações.


Dual

Quando amo e quando odeio
Coronárias e neurônios
Meio anjo e demônio
Me revelo ou me refreio

Sou vilão, herói, refém
Sou cruel, maniqueísta
Solidário, altruísta
Sou do mal ou sou do bem?

Sou xamã, pagão, judeu
apostólico romano
Rezo o terço e mato Deus

No vitral, santo profano
Hóstia em boca de ateu
Dualidade é ser humano




domingo, 14 de janeiro de 2018

Vício benigno


Os dias em que escrevo me parecem com mais sentido e graça que os dias em que não escrevo.

Penso que tenho uma relação um tanto litúrgica com o escrever. Não que isso signifique que eu seja extremamente diligente, metódico e organizado. Nem sou tanto, apenas me esforço em ser menos caótico.

E como nessa liturgia particular eu sou o Papa e redijo (e reformo) as bulas e homilias, ela não é prisão e segue mais o princípio dionisíaco do prazer que o apolíneo do dever.

Sentido.

Direção e sentir. O duplo significado dessa palavra é perfeito. Tem momentos em que o sentir e o compreender não são duas entidades antagônicas que excluem a outra. Tem vez e não é pouca, que o sentido é significância e sentimento, lógica e emocionalidade.

Diz-se que é preciso sentir pra compreender. Também se diz que é preciso compreender pra sentir. Eu diria que é (im)preciso o sentido: sentir e compreender de forma simultânea e assim, fruir.

E isso se dá no âmbito do poético, tanto no que tange ao leitor, quanto ao autor. Se poetas mentem, no sentido cotidiano e cartesiano do termo, ou se falam a verdade, essa também cartesiana, não importa. Tudo é verdade. E a verdade poética não é menor que a do dia a dia mais banal.

Poetas ou quaisquer artistas têm como fonte permanente de trabalho, de criação, a imaginação. E um filósofo que agora não me ocorre qual, disse que a imaginação é um bem tão real quanto qualquer outro. Pois a verdade poética é tão real e valiosa quanto qualquer outra e, poeta que sou, ouso um pouquinho acrescentar que certas verdades poéticas são mais valiosas que algumas verdades filhas do senso comum.

Maiorias não são necessariamente proprietárias de verdades inquestionáveis.

Não sei a dimensão do que transborda pro leitor, não sei bem desses processos, mas sei em mim, que escrever me constitui, me resgata do vácuo da existência, de não respostas pra mil perguntas. Não por acaso já usei inúmeras vezes a metalinguagem pra retratar essa questão vital pra mim.

Hoje está fazendo mais sentido e tendo mais graça. Porque estou escrevendo.



terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Dúzia menos meia



Já são seis anos, dois mil cento e noventa dias de Jorge Ricardo Dias blablablando nesse blog prosesco e de poesia. Parece que foi anteontem ou então me confrontem se nesse meio tempo o tempo não voou sem asas, mas destelhando casas e pensando fora delas. Sempre considerei isto aqui uma conversa e vice versa o vício de ofício que versa flor e precipício. Nessa jornada não faltou nada, de choro a gargalhada, de realismo nu e cru a delírios experimentais e coisas que tais. Centenas de zarpagens do cais sem planos de ancoragem com o medo perdendo pra coragem de se perder na viagem. O presente livre da embalagem. Pretextos pra textos açucarados e de arame farpado, sussurros e gritos, anjos e malditos, eclipses e auroras, a pressa das horas, o acrobata suspenso, o que sinto e penso com bom e mau senso, os ventos do sentimento que não cabem nesse mundo imenso. Compartilhamento, soma, toma lá da cá. Aí estou e aí está. Seis curtos anos de pensar sentir escrever com prazer


Vide bula



Palavra é ritmo e dança
Brinquedo de desmontar
Palavra é de som e ar
Aguda ponta de lança

Contida, exaltada. chula
Chicote ou doce canção
Carícia ou demolição
Na dúvida vide bula

É mapa, é lei, estrutura
É luz numa mina escura
Ou pura contradição

Mentira mais verdadeira
Verdade mais traiçoeira
Não diz sim e sim diz não